passarola quer voar: março 2008

domingo, março 30

Adoro este momento do ano…

Em que o dia ganha dia! Gosto de ver o sol brilhar até tarde, gosto de sentir que depois de um dia preenchido, ainda temos umas horinhas de dia para aproveitar antes de chegar a noite e que depois de vivermos mais essas horinhas… ainda temos a noite! Claro que ontem olhámos todos para o relógio desconcertados quando nos fizeram parar de dançar às 3h da manhã, mas chegou para a festarola. Foi bom e acabou com esta cerejinha em cima do bolo:)



Quanto aos Sean Riley, não estavam definitivamente em grande forma. A tournée já vai longa e sentia-se o cansaço no esforço que estavam a fazer em cima do palco. O concerto foi curto e com pouca energia. Para nós que já os conhecemos tão bem, é fácil perdoá-los. Espero que quem os foi conhecer ontem, tenha a sorte de os voltar a ver depois de recuperados. É verdade que vale a pena!

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sábado, março 29

A sugestão da noite só podia ser...

Sean Riley & The Slowriders, no Maxime.

Depois, vai ser dançar até cair com 2BADJs...



Festarola!!!! :)

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sexta-feira, março 28

14. A noite dos idiotas

Este é um bocado para encher chouriços... mas pronto, já que está escrito, cá vai.

Nessa noite, para desanuviar o ambiente, o meu pai lembrou-se de inventar um jogo para o serão. Chamou-lhe o Jogo dos Idiotas e o objectivo era criar uma história colectiva. À excepção do Henrique que adorava inventar histórias, começámos todos a gozar com ele a dizer que isso era mesmo uma coisa muito idiota para se fazer numa noite tão estrelada como aquela.

Ele perguntou-nos com ar de mau se lhe estávamos a chamar idiota e recebeu um grande SIM, em coro. Como resposta à nossa provocação, fez uma expressão zangada, seguida de uma expressão apreensiva que finalizou com um sorriso.
- Então meus caros amigos, resta-me agradecer-vos o elogio e, já que me consideram pessoa capaz de muitas ideias, acredito que estão de acordo em experimentar o meu jogo.

Apesar dos nossos NÃOS sucessivos, começou a explicar as regras:
1. Cada jogador tem um máximo de 1 minuto para jogar;
2. Se um jogador utilizar duas palavras, o jogador seguinte terá que usar, no mínimo duas e no máximo três palavras;
3. Nenhum jogador pode repetir uma acção ou ideia utilizada pelo jogador imediatamente anterior;
4. Por cada transgressão o jogador recebe uma penalização;
5. À 5ª penalização o jogador é eliminado;
6. Ganha quem conseguir dar um final lógico à história.

- Que confusão!!! – começámos todos a queixar-nos, ao que o meu pai sugeriu que fizéssemos uma experiência. Foi buscar o cronómetro em forma de porco que tinha na cozinha e começou:
- Era uma vez… - passou a palavra ao Mário que estava sentado ao seu lado direito.
- O capuchinho vermelho.
– Buuu!!!! - Começámos todos a assobiar – essa história já existe!!! Que falta de imaginação!!!
- OK, OK, eu corrijo – desculpou-se – um monstro amarelo
- Ah!!! Assim está melhor – aplaudimos todos.
Eu estava sentada logo a seguir – Ai!! Er…com bolinhas coloridas – safei-me.
Era a vez do Henrique – que gostava muito de…
E a minha mãe especificou - … bolinhos de coco…
- Falta uma, já estamos em 4 palavras – esclareceu o meu pai. A minha mãe pensou um segundo, fez um sorriso e acrescentou – com…
Voltou ao meu pai – camadas de pó em cima, ponto final – terminou – E já estamos em 5 palavras.
Era a vez do Mário que pensou, pensou, pensou e deixou passar o tempo sem se lembrar de nada.
- Piiii!! – Gritou o meu pai a olhar para o relógio – Primeira penalização para o Mário e passa o jogo à Carlota.
- Ops! – engoli em seco, bati com as mãos nervosas na mesa e de repente lembrei-me – Numa linda manhã, ao acordar…
- Boa, Carlota! – gritaram em coro. Era a vez do Henrique.
- … aconteceu-lhe aquilo que não esperava…
- E agora? - lançou-se a dúvida – O lhe vale ou não vale como uma palavra?
- Não, arbitrou o meu pai. Vamos continuar… - E passou a palavra à minha mãe que, depois de pensar um segundo, acrescentou:
- … e que iria mudar a sua vida…
- Piii!!!! Duas palavras a mais dá penalização – gritámos, divertidos.
- Está a aquecer, já precisamos de sete palavras – comentou o meu pai, excitado. Era a sua vez – …aquilo que iria mudar os seus hábitos…
- Piiii!!! – Gritámos todos bem alto – Repetiste uma acção!! Primeira penalização para o Jorge!!!
Era novamente a vez do Mário – Sentiu-se enjoado depois de comer bolinhos de coco…
- Já!! – exclamei sem perceber como é que estava novamente na minha vez - …e depois de comer bolinhos de coco… - antes de eu me calar já estavam todos a gritar – Piiiiii!!! Repetição!! Repetição!!
- Não é justo!! Eu estava a pensar alto, ainda não estava a dizer….- Os meus argumentos não serviram de nada, ganhei a minha primeira penalização e passei a bola ao Henrique.
- …Sem saber se era do coco ou do pó..
A minha mãe continuou a ideia – … desistiu dos dois e fez bolinhos só com cócó!. Ponto final e fim de história. Ganhei!! Gritou satisfeita.
- Que fim tão estúpido!! – Ainda gritámos mas a verdade é que nos fartámos de divertir.

À medida que íamos jogando, as nossas histórias iam ficando mais compridas e mais idiotas. Numa das vezes em que fui, diga-se de passagem, injustamente eliminada, vi o meu lagartinho a passar no lado de fora da janela da sala. A minha mãe, o meu pai e o Henrique continuavam a história à desfiada, enquanto o Mário já os observava de fora, como eu. Percebi que não dariam pela minha falta e resolvi seguir o lagarto para ver onde me levava.

Já cá fora, olhei em volta e não o vi. Reparei que o Mário me espiava pela janela. Fiz questão que me visse a olhar para ele mas o seu olhar não se moveu. Parecia hipnotizado a fixar o infinito. Talvez não estivesse a olhar para mim, continuei o caminho e vi o Jeremias um pouco mais à frente, ao pé do portão de saída do terreno. Lembrei-me de que a minha lanterna estava na pequena mochila sapo que ficara dentro de casa e tive receio de o seguir às escuras.
- Se esperares por mim vou buscar a minha lanterna – disse-lhe. Mas o bicho olhou para mim e avançou um bocadinho, sem fazer tenções de esperar.
- É mais uma pista urgente? – perguntei-lhe enquanto a medo o seguia devagarinho. Não precisei de avançar muito para perceber o que me mostrava. Comecei a sentir o caminho mais iluminado e vi que a luz vinha dos faróis de um carro que avançava lentamente, silencioso, no sentido da casa do Ricardo. Protegida pelo escuro da noite, consegui ver que era o carro que tinha levado o Mário nessa tarde.
- Quem será este e o que quererá ele de nós? – Ainda consegui ler dois números da matrícula que fui a repetir até casa – 89, 89, 89, 89…

Dentro do portão o Jeremias desapareceu novamente por baixo da lona branca da nossa tenda refrescante.

- Onde é que estás, Jeremias? – perguntei já lá dentro. Senti-o a mexer e tentei seguir o som desse movimento. Às apalpadelas atravessei a tenda até chegar a uma superfície de madeira. Desastrada, tropecei em alguma coisa no chão, perdi o equilíbrio e tentei recuperá-lo agarrando-me a um objecto que, com o meu peso, cedeu e caiu ao chão com um ruído tal que vieram todos de dentro de casa ver o que se passava.

- O que é que estás aqui a fazer? – Perguntou-me a minha mãe enquanto o meu pai abria bem a entrada da tenda para deixar espreitar a luz.
- Não sei bem… – disse sem mentir.
- O meu quadro!! – Gritou a minha mãe enquanto avançava na minha direcção – Deixaste cair o meu quadro!
Já vinham todos em socorro da tela desmaiada no chão.
– Desculpa mãe, não vi. – Assustada, baixei-me para analisar as consequências do meu acidente. Assim que o levantaram e exibiram à luz da noite, o quadro pareceu recuperar todas as suas cores sem sintomas de ferimentos, graves ou leves.
- Tiveste sorte do quadro estar bem – ralhou-me a minha mãe – senão, nem sei o que te fazia…
Estávamos todos a olhar surpreendidos para a pintura.
- Bem, já tens o quadro quase pronto, não? – perguntou o meu pai
- Achas? – A minha mãe analisava a sua obra com um olhar critico.
- Está fantástico! Surpreendente! – Elogiou o Henrique com sinceridade.
- Valiosíssimo!! – Contabilizou o Mário.

O trabalho da minha mãe apresentava uns tons e umas formas estranhíssimas. Quando o olhávamos pela primeira vez víamos aquela paisagem que nos era tão familiar mas, em cada pormenor, parecia que a tela mudava de formas, bem debaixo dos nosso olhos só para nos confundir. Cada ponto assumia uma imagem diferente, uma forma diferente, uma tonalidade diferente. Viam-se histórias, viam-se objectos, viam-se paisagens. Em determinado momento até me pareceu ver o meu Jeremias rodeado de milhares de lagartos. Era como se, numa imagem só, conseguisse reunir tudo o que aquele local significava para mim, com todas as aventuras que ali tinha vivido.

- Agora percebo a veneração dos lagartos! – disse o Henrique, não sei se a sério se a brincar.
- Bem, eu ainda não estou satisfeita. Acho que falta qualquer coisa mas não é agora que a vou descobrir, sabem porquê?
- Não – Respondeu o Mário ainda sem tirar os olhos da tela.
- Porque o meu corpo está a mandar-me ir dormir.. – e bocejou para confirmar que estava com sono.
Dito isto, demos a noite por encerrada e fomos todos para a caminha.
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quarta-feira, março 26

me like...



The Last Shadow Puppets - "The Age Of The Understatement"

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domingo, março 23

A Vitória do Setúbal

Pronto, está escolhido o meu clube. Isto não foi tarefa fácil e é procura que já dura há muitos mais anos que a paixão pelo Dinarte, eheh. E a cena é que nunca consegui responder convictamente que era do Sporting ou do Benfica. Comecei por tentar ser do Benfica porque comecei a ver mais jogos de futebol com a vizinhança, quando vim para aqui morar, e a vizinhança é praticamente toda do Benfica. Mas sempre que via um jogo, ou perdia, ou empatava, ou era assim uma vitória fraquinha e não conseguia entusiasmar-me muito para eu poder, convictamente, dar resposta aos amigos leoninos que me tentavam picar. Entretanto, porque vá se lá saber porquê o meu coração pende sempre para moços do Sporting, acabei por ver mais jogos deles e a verdade é que até têm jogado bem e dado algumas alegrias...
Basicamente o que eu gostava mais do futebol eram mesmo as imperiais, os tremoços e os amendoins ;)
Mas há uns tempos atrás vi um jogo entre o Sporting e o Vitória de Setúbal que comecei a torcer pelo Sporting mas a meio, qualquer coisa no jogo do Setúbal começou a entusiasmar-me mais, (isso ou o facto de ser essa equipa que vestia a camisa verde e que pode ter feito alguma confusão ao meu cérebro..ehehe) e comecei secretamente a torcer por eles que acabaram por ganhar o jogo.
A partir desse dia já dizia aqui na brincadeira com os vizinhos que a minha equipa era o Vitória de Setúbal e ontem, quando vi que tinham ganho, (passada a primeira impressão causada pelas imagens de uma equipa de jogadores de verde agarrados a uma taça) fiz uma grande festa e decidi, definitivamente adoptá-los como a minha equipa de futebol.

A partir de agora sou convictamente sadina! (é assim que se diz? Soa bem) sinto-me bem com esta opção, vou começar a torcer pela minha equipa. :) Já tenho equipa... wweeeeee!
… e lá vou mais uma vez ressacada para um almoço de família… :S

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Ontem fui matar saudades do Dinarte…

O Dinarte Branco é daquelas paixões antigas que já dura há muitos, muitos, muitos, muitos, muitos anos e com capacidade de renovação sempre que o vejo representar. Rnnhhaauuu! . ;)
E Dinarte aparte, a verdade é que Noite Árabe, peça que está no Politécnica, no Príncipe Real, vale mesmo a pena ir ver. O texto é muito bom, uma fusão de lenda do ali babá com um conto urbano contemporâneo, com muitas simbologias e possibilidades de interpretação, que vive da magia das mil e uma noites e dos momentos de tensão que as situações vão criando. E estes momentos de tensão, stress, ansiedade que conseguem passar ao espectador, são para mim o melhor da peça. Dei por mim demasiadas vezes a contorcer-me na cadeira em sofrimento pelas personagens… são tão fáceis de criar e resultam tão bem. Os actores são todos muito bons, o João grosso faz papelão e além de representarem bem, fazem todos bem ao olho ;) (eles e elas). Gostei do cenário da ambiência sonora, enfim, acho que vale mesmo a pena ir ver… Podem descobrir mais informações e comprar bilhetes, aqui..

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sexta-feira, março 21

13. Um dia azarado

e com o feriado e tal já quase que me ia esquecendo... boa páscoa!!!! :)

Quando acordei nem queria acreditar. O sol já ia alto há muito tempo e eu tinha-me deixado dormir. Acho que com a excitação dos últimos dias andava a descansar pouco e mal e, nessa noite, com pesadelos ou não, fiquei agarrada à almofada até muito depois da hora a que queria ter acordado. Que azar – pensei – logo hoje que tenho tanta coisa para preparar para a investigação da tarde…

Despachei-me rapidamente e fui a correr ter com o Ricardo. Quando lá cheguei, a Vera disse-me que ele tinha acabado de sair à minha procura. Não sei como, mas tínhamo-nos desencontrado. E estávamos prestes a desencontrar-nos outra vez, porque eu já me estava a preparar para regressar a casa, quando o Gaudi veio ao meu encontro. Fiz-lhe uma festa e expliquei-lhe que ia atrás do Ricardo mas que já voltava. Não me deixou. Apanhou um pau com a boca e trouxe-mo a convidar-me para brincar. Não sei se estava a pedir entretenimento se me estava ele a entreter, a verdade é que tinha acabado de lançar o pau pela segunda vez, quando o meu amigo apareceu cansado.

Assim que se recompôs, perguntou-me:
- Onde é que andavas? Fartei-me de esperar e fui à tua procura.
- Desculpa, adormeci – respondi-lhe enquanto afagava o pêlo do cão.
- Estou ansioso que me contes tudo.
- Nem imaginas o susto que apanhei – Enquanto falávamos, sentámo-nos junto da árvore que havia no quintal da casa dele. O Gaudi deitou-se aos nosso pés. Contei-lhe tudo sem que me interrompesse uma única vez. Comecei por lhe falar das duas chamadas telefónicas. A que eu fiz para a residencial e a que o Mário fez, ou recebeu, e que não quis contar a ninguém. Deixei o pior para o fim. O Ricardo olhava para mim muito sério e acenava com a cabeça de quando em quando, a dizer-me que estava a prestar atenção.

Quando lhe contei do homem sem rosto franziu as sobrancelhas e fez uma expressão preocupada durante algum tempo. Perguntei-lhe o que é que achava e ele, ainda sem dizer nada, pegou na minha mão, levou-me para uma zona de descampado por detrás da casa e escreveu.
- Já há muito tempo que ando curioso com uma coisa. Discretamente olha para trás de mim e vê se não vês uma luz forte a brilhar.
Olhei para um lado e para o outro e não vi nada. O Ricardo baixou-se para apanhar qualquer coisa do chão e levantou-se com a cabeça erguida na zona que me indicara. Passou-me uma pedra para as mãos e explicou.
- Olha para a pedra para pensarem que estamos a falar sobre ela.
- Mas não está ninguém a ver-nos – achei que ele estava a ficar maluco.
- Por trás da minha cabeça, consegues ver um monte com umas casas bem no alto? – E apontou para a pedra.

Olhei melhor para analisar a paisagem ampla que se estendia por trás dele. Era formada por pequenos montes com muitas árvores, muitas delas queimadas pelos incêndios que, nos últimos anos, tinham destruído uma grande área daquela zona. Num dos poucos montes ainda verdes, existiam algumas casas, tão pequenas no horizonte como metade do meu dedo mindinho.
- Repara bem se não vês uma luz a brilhar nesta direcção. – Finalmente consegui ver o que me indicava. Não era bem uma luz, era mais uma espécie de reflexo luminoso que só era visível de determinado ângulo. Voltei a olhar para a pedra e perguntei.
- O que é que achas que é?
- Acho que são binóculos. Foi o Jeremias que me trouxe aqui, há uns dias atrás.
- O meu lagarto anda a querer contar-nos alguma coisa…
- De onde estão podem ver a minha casa e toda esta zona muito bem.
- Epá! Mas isso significa que anda alguém a espiar-nos!
- Se for o teu homem sem rosto, está explicado como é que sabe tanto de ti.

Brrrr!!!. Arrepiei-me toda com aquela ideia. – E que ligação é que isso tem com a nossa história?
- É mais uma confirmação que esta casa esconde um tesouro e que anda muita gente atrás dele.
- Já não aguento mais pensar nisso e não fazer nada para o tentar desenterrar – suspirei.
- Mas também não podemos vir para aqui de pás em punho a escavar por todo o lado.
- Principalmente sem que ninguém veja, com tantos olhos postos nesta casa.
- Para já não sei o que é que nós poderemos fazer.
- Bem, em primeiro lugar podemos tentar seguir a nossa próxima pista. O encontro misterioso do Mário, hoje às 15h.

O Ricardo agarrou na sua caneta e ficou a olhar para o monitor em silêncio. Pressenti que hesitava sobre a melhor forma de me dizer qualquer coisa. Finalmente escreveu, com uma expressão triste.
- O meu pai não me vai deixar ir a tua casa.
- Nem penses, depois dos sustos que apanhei ontem não quero ir sozinha. Não podemos pedir ajuda à tua mãe?
- Já pedi, ela diz que o melhor é vires tu brincar comigo cá para casa.
- Mas diz-lhe que queres ir brincar para a piscina.
- Não vale a pena.
- E se fugires sem lhes dizer nada?
- Posso tentar mas não garanto que consiga.

Tristes, começámos a andar em direcção à casa. O Gaudi foi o primeiro a sentir o cheiro da comida e a disparar em direcção à cozinha onde os pais do Ricardo já estavam a pôr a mesa para o almoço. A Vera ainda me convidou para ficar mas eu inventei uma desculpa e continuei em direcção ao portão. Olhei mais uma vez para o Ricardo que, de olhos postos no computador, me disse:
- Se eu não aparecer até às 14h, o melhor é avançares sem mim.

Que azar!!! Esta embirração do Tomás não podia vir em pior altura. Até parece que está a fazer de propósito para impedir o nosso trabalho. Fui todo o caminho de casa a pensar mal dele. Este está mesmo a ser um dia azarado! – Queixei-me alto sem que ninguém me ouvisse.

Durante o almoço percebi que não era a única mal disposta da casa. Não sei o que raio é que se tinha passado na minha ausência mas estavam todos mal humorados e zangados uns com os outros. Que raio de dia! – continuei a pensar com uma vontade cada vez mais forte de chorar e de desistir de tudo.

A partir de determinado momento comecei a sentir o Mário mais inquieto. Levantou-se da mesa com alguns pratos sujos na mão e o Henrique seguiu-o. O meu pai estava a embirrar com a minha mãe e a minha mãe com o meu pai. Cometi o erro de perguntar as horas e um respondeu-me que faltavam quinze minutos para as duas e outro que passavam 45 minutos da uma. Voltaram a discutir e eu olhei em volta à procura de boas notícias. Ninguém se aproximava da casa. Levantei-me, agarrei nuns copos para levar para a cozinha e comecei a andar nessa direcção.

Ouvi o Mário a gritar com o Henrique e o Henrique com o Mário. Quando cheguei vi uma porta bater e só encontrei o Mário com cara de poucos amigos. Virou-me as costas e voltou para o exterior onde os meus pais continuavam a embirrar um com o outro. Fiquei a observá-los da janela da cozinha. Belisquei-me uma e duas vezes na esperança de ainda estar a dormir. Pouca sorte. Continuei acordada e o Mário já se encaminhava para o portão de saída. Fiquei a pensar se o seguia ou não. Decidi segui-lo.

Fui um bocadinho atrás para que não me visse. Com a disposição com que estava, era capaz de me comer viva, se me sentisse por perto. Andou um bocado e acabou por parar junto de um caminho de terra. Encontrei um esconderijo atrás de uma árvore suficientemente perto para que o pudesse ver e suficientemente longe, para que ele não me pudesse ver a mim.

Achei que era melhor não me aproximar demais porque, hoje, não estava definitivamente preparada para surpresas. Ouvi o barulho de um carro e pensei antes de espreitar. Hoje mais do que nunca, sentia medo de ser apanhada. No entanto, levei demasiado tempo a pensar e, quando espreitei, já o carro se afastava com o Mário lá dentro.

Era um carro preto, comprido e brilhante. Não consegui ver nem matrícula nem condutor, só vi que não era nenhum carro que eu já tivesse visto. Fiquei ali sentada, triste comigo, triste com o Ricardo, triste com tudo e com todos.

Comecei a andar lentamente de regresso a casa. Quando já não esperava que nada de bom me pudesse acontecer, o meu lagarto atravessou-se aos meus pés. Fiquei tão contente de o ver que fui a correr atrás dele. Pouco à frente estava uma figura familiar, sorridente, com um computador na mão e um cão ao lado.

- Atrasei-me um bocadinho – ouvi a sua voz electrónica dizer. Passei por eles, ultrapassei o Jeremias e continuei a correr em círculos, a rir-me, com os três a correrem atrás de mim.
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Des/sincronismos

Quando uma mulher oferece a chave da casa dela a um homem, está à espera que ele se sinta em casa na casa dela. Quando um homem oferece a chave da casa dele a uma mulher, está à espera que ela se sinta à vontade para ir limpar-lhe a casa e fazer-lhe comida sempre que lhe apetecer. ;)

Nota: este pensamento não é derivado de nenhuma realidade concreta vivida ou experienciada por mim. Pura extrapolação de ideias de passeio à beira rio em dia de primavera. :D

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quinta-feira, março 20

É primavera...

:)

sábado, março 15

Já?…

- … Ainda esteve cá há tão pouco tempo…
- É verdade, mas desta vez o caso é mais grave. Não vim logo, tentei desligá-lo sozinha e ele fez para aí um curto circuito com o cérebro que me avariou o sistema todo.
- Eu quis desligá-lo na altura, você é que não quis.
- Eu sei, o que quer que eu faça, não consigo viver sem ele…
- Se quer conservá-lo tem de poupá-lo, controlá-lo… Não pode deixá-lo muito solto, já sabe que ele não tem cabeça.
- E agora? Alguma coisa que se possa fazer?
- Humm… Isto está complicado. Posso fazer aqui uma intervenção mas vou ter de lhe apagar as memórias.
- Não… nunca precisei de esquecer nada para o curar. Tem de haver outra maneira…
- Não me parece. É que são estas memórias que estão a provocar esse curto circuito. São boas demais para que o cérebro dê a ordem de paragem que ele precisa ouvir.
- Oh!
- Não faça essa cara. Pronto! O que posso fazer é guardá-las num disco externo que pode reinstalar quando o paciente já tiver recuperado.
- Isso parece-me uma melhor opção. Mas mesmo assim…
- Você é complicada… Diga lá, o que foi agora?
- Não posso guardar pelo menos uma… Se não vai ficar um vazio muito grande.
- Já não digo mais nada… você é que sabe. Diga lá qual é a memória que quer guardar.
- Pode ser esta:



- Pronto. O paciente já está tratado, agora veja lá se não me aparece aqui tão depressa.
- Eu gostava de lhe dizer que sim, doutor, mas é o meu coração. E eu não consigo viver sem o sentir a bater com força… Até já! …

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sexta-feira, março 14

12. Um homem sem rosto

este capítulo é dos bons... cheio de mistério... uuuuu.... deste eu ainda gosto ;)

Já não me lembrava que o restaurante ficava numa zona da vila tão diferente da zona do jardim onde tínhamos encontrado a cabine telefónica. Enquanto a comida vinha e não vinha, pensava se, sozinha, seria capaz de lá voltar, telefonar e regressar ao meu lugar sem que ninguém estranhasse a minha falta. Num momento em que estavam todos entretidos nas suas conversas de adultos, aproveitei para abrir a boca do meu sapo e confirmar que tinha lá tudo o que precisava:
O caderno com o número de telefone, o cartão com dinheiro para as chamadas e um lenço para abafar a voz. Está tudo pronto para a acção. – pensei, satisfeita comigo mesma.

Abdiquei da sobremesa e pedi autorização para ir brincar para a rua. Peguei na minha mochila e fui em busca do jardim – Se ao menos tivesse o computador do Ricardo para ver no mapa onde fica – pensei. Dei umas voltas e nada. Estava indecisa sobre se voltava para o restaurante ou se me aventurava por caminhos desconhecidos quando vi que vinha uma sombra a andar na minha direcção. Tentei ver quem era para perguntar o melhor caminho para o jardim mas, à medida que se aproximava, comecei a sentir que existia algo de estranho naquela personagem.

Ao contrário do que seria normal, quanto mais perto estava, mas confusas pareciam as suas formas. Vinha mesmo a andar até mim e comecei a ficar assustada. Rapidamente perdi toda a vontade de perguntar o que fosse a quem quer que se aproximasse. Só queria ficar invisível mas isso não aconteceu e o vulto alto, escuro e sinistro chegou mesmo ao pé de mim. Uma voz grave quebrou o silêncio da rua:
- Olha se não é a miúda dos lagartos… – disse provocando-me um calafrio que me atravessou o corpo dos pés à cabeça.
- E o Senhor quem é? – ainda perguntei, enquanto procurava distinguir por debaixo de um chapéu escuro uma expressão que pudesse ligar a qualquer um dos acontecimentos dessas férias, mas sem sucesso. Só uma enorme sombra sem rosto.

A silhueta negra já se afastava de mim a passos largos deixando-me, mais do que intrigada, verdadeiramente apavorada. O homem sem rosto sabia quem eu era sem que eu nunca o tivesse visto. Imóvel, vi-o desaparecer no fundo da rua e comecei a andar apressada na direcção oposta. Queria tanto afastar-me dele que nem pensei que também me afastava do restaurante sem saber para onde ia. Encontrei-me perdida no meio de um largo da vila. Exactamente no meio reconheci uma forma rectangular. Já me preparava para continuar a andar quando o meu cérebro finalmente despertou – Oh que estúpida!! É uma cabine telefónica. – Olhei em redor para confirmar que não estava acompanhada de mais nenhuma criatura estranha e corri para o seu interior. Quando lá cheguei, tacteei o aparelho em busca do pequeno orifício onde deveria colocar o cartão e não o encontrei. Coloquei-me em bicos dos pés e descobri que esta ainda era das cabines antigas, que funcionavam com moedas. – Está sempre tudo ao contrário! – pensava enquanto procurava com as mãos a minha pequena bolsa dentro da mochila. Encontrei-a e retirei de lá de dentro 2 moedas. Coloquei-as no respectivo local, levantei o auscultador e ouvi o sinal de linha. Tapei o microfone com o lenço e marquei o número quase de cor. Do outro lado o aparelho tocou duas vezes.
- Residencial 3 Estrelas, boa noite.
Fiz uma voz o mais grossa que consegui. – Boa noite. É possível falar com o Sr. Simão, por favor?
- Sabe o número do quarto?
- Não.
- O apelido?
- Também não.
- Aguarde um momento, por favor, que eu vou confirmar no livro de registo se temos algum hóspede com esse nome.
- Muito obrigada.
Passados alguns segundos a voz do outro lado regressou. – Temos efectivamente um Senhor no quarto 116, chamado Simão Terroso, será quem procura?
- É sim, muito obrigada – mas eu ainda não tinha acabado de agradecer e o telefone ainda não tinha chegado a tocar quando numa outra extensão alguém me respondeu.
- Quem fala? – desliguei violentamente a chamada e sentei-me no chão a ouvir o meu coração bater.

Eu tinha ouvido a voz do Simão que tinha ouvido a minha voz. Poderia ele ter-me reconhecido da mesma forma que eu o reconheci a ele? Porque é que as conquistas nunca têm um sabor de sucesso nesta história, lançando mais dúvidas e medos sobre todo o mistério?

Acabei de confirmar que o nosso suspeito é o Simão. Foi ele que assaltou a casa e é ele que anda a assustar a Vera e o Tomás. Mas agora, como é que ele vai reagir a esta chamada e quem é aquela nova personagem que eu conheci? Pior do que tudo isto, que caminho é que eu fiz para chegar aqui e como é que vou regressar ao restaurante?

Estava eu a pensar que bom que seria se o Ricardo estivesse ali, quando vejo o Mário, distraído, a atravessar a rua à minha frente. Estava a falar ao telemóvel e eu aproveitei para segui-lo.

Foi a minha salvação. Por um lado, levou-me direitinho ao restaurante. Por outro, fui a ouvir a sua conversa que, embora breve, me deixou perceber que combinava um encontro para o dia seguinte, às 15 horas, no local do costume. Entrei mesmo atrás dele no restaurante e confirmei que ninguém tinha dado pela minha falta. Estavam todos preocupados com o Mário.

- Onde é que andaste? – Perguntou o Henrique.
- A conversa não me estava a agradar e fui dar uma volta.
- Nós estávamos a falar abertamente contigo porque gostamos de ti, não é por mal – disse-lhe a minha mãe, afectuosa. - E tu lagartinha, onde é que estavas metida?
- Estava aqui atrás a brincar – respondi simplesmente, ocultando todos os arrepiantes acontecimentos do meu passeio nocturno.

A conversa com o Mário continuou mas em nenhum momento ele falou do telefonema ou da combinação que fizera para o dia seguinte. Isso significava que fazia parte do seu segredo e nesse momento tive a certeza que, se conseguíssemos segui-lo, iríamos ter mais uma revelação sobre o nosso mistério. Tinha que avisar o Ricardo para estarmos preparados.

No regresso a casa, já iam todos muito bem dispostos e brincalhões como é habitual. Planeavam fazer uma cerimónia na tenda branca, com muito incenso e danças tribais para afastar lagartos maus. Ainda ninguém se tinha esquecido do bizarro acontecimento dessa manhã.

Eu desta vez não participei da festa, despedi-me e fui para o meu quarto onde encontrei o Jeremias. Pedi-lhe para levar uma nota ao Ricardo onde escrevi:

Confirma-se Simão na Residencial.
Amanhã investigar Mário logo a seguir ao almoço.
Vou ter contigo de manhã. Carlota

Ele saiu obediente e eu fui deitar-me. Claro está que nem é preciso dizer que nessa noite sonhei com silhuetas de homens sem rosto que me repetiam vezes sem conta: “Olha se não é a miúda dos lagartos!”
...

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quinta-feira, março 13

Mais um acordar com o Zé Pedro

Na radar, claro ;)
Esta semana anda a passear (sim os porcos dos pedros todos no SXSW) mas também por bandas sonoras e esta foi uma excelente música para começar o dia. After Dark, do From Dusk Till Dawn. Belas paisagens senoras e visuais... Rnhaauuuu!



Ó Zé Pedro, confessa lá que, passada a aventura, até achaste uma certa piada ter sido confundido com um criminoso... lá na "Améééeérica... O que é que eu iria ser,o que é que eu iria teeeeeer... na améééérica..." hehehehe! ;)

quarta-feira, março 12

Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

Que as cenas hoje são mais que muitas... Eu escrevo, escrevo e nunca mais acabam...
Um intervalo musical para animar o serão ;)

Diamonds Are Forever (Cover) - Arctic Monkeys

terça-feira, março 11

Agora tem de ser…

Tenho andado para aqui com merdas, mas quando é para assumir, há que assumir as coisas. Estou a escrever para uma novela e estou a gostar como o caraças! Nunca pensei, mas até tenho visto a dita novela à noite, e as minhas cenas ainda estão longe de chegar. Eu, a ver uma telenovela!!! Acho que já não via nenhuma desde a Guerra dos Sexos, alguém ainda se lembram disso? Pronto, eu sei que também é entusiasmo de início, que depois de me sentir em casa com as personagens, talvez me fique pela leitura dos guiões, mas para já, ainda acho que faz sentido. Razões porque estou tão in love por este trabalho: Primeiro, pela Casa da Criação, onde me sinto em casa, praticamente desde o primeiro dia… era difícil não sentir, quando o chão da cozinha e da casa de banho são parecidos com os da minha casa, em xadrez preto e branco… :); Segundo, pela equipa com quem estou a trabalhar, pelo pessoal que vou conhecendo das outras equipas e com quem vou tendo o prazer de almoçar; Terceiro, por ser um original, ao contrário da outra novela para a qual trabalhei, e as minhas cenas serem efectivamente minhas! Nada de adaptações foleiras. Perco tempo, ainda demoro o triplo do tempo do resto do pessoal a escrever as minhas cenas… mas dão-me PRAZER! É sem tristezas que abandono, todas as manhãs, o rio que me fazia de cenário quando trabalhava mais em casa, para só voltar ao final do dia. Porque me sinto bem ali, com gosto no trabalho e acarinhada por todos. Saudades que eu tinha de trabalho de equipa à séria. Posso mesmo dizer que estou feliz. E depois há a outra razão… a que me levou a aceitar o trabalho… a prestação da casa ao banco está safa! Agora… a ver se à medida que vou ficando melhor, vou sendo recompensada por isso. Hummmm… :S Mas para já, estou beeeem!

Para já, umas imagens para recordar… para quem tem idade para isso ;)

sábado, março 8

Hoje há Soaked Lamb...

A Repartição, não é peça para iniciados…

… ver 8 actores num palco praticamente despido, nas mesmas posições, vestidos como se estivessem despidos, durante quase uma hora, a falar e a representar em coro, não é para qualquer um, nem espectador, nem actor! É um grande risco e é aí que faço uma vénia aos Primeiros Sintomas.
A Repartição é um espectáculo visual e sonoro que cansa, mas não deixa de surpreender. Os actores têm um trabalho fabuloso (grande salva de palmas para o trabalho deles), onde cada, palavra, cada expressão, cada movimento tem que sair certo, no momento certo, e aqui vem o original trabalho de encenação do Bruno Bravo, enriquecido pela musicalidade das palavras do Miguel Castro Caldas. É um facto que a meio da peça os olhos já pedem mais movimento, mais elementos, mais distracção. Mas a surpresa da primeira metade da peça, vale por todo o cansaço final…

A ver para quem gosta de experiências novas!

Ah, e um grande obrigado à Maria del Sol pela reserva dos bilhetes, que na lufa lufa que foi a minha tarde, tinha-me arriscado a ficar à porta. Muchas Gracias!!! :)

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sexta-feira, março 7

11. A procissão dos lagartos

Ai que este capítulo quase não saía no dia certo... mas aqui vai e posso garantir-vos que as coisas vão começar a aquecer ;) ah... e vem com arroz de marisco :P

Depois de mais uma noite de sonhos confusos com cabines telefónicas que abrigam personagens sinistras de furiosas tempestades de chuva, acordei para encontrar o Ricardo, que estava à minha espera à beira da piscina.

Embora o tempo ainda estivesse meio enevoado, decidi dar um mergulho para me ajudar a acordar. O Ricardo pousou o computador numa cadeira e saltou para dentro de água comigo. Acho que no fundo ambos sabíamos que tínhamos chegado às mesmas conclusões. Nem era preciso falar de nada. O mistério da casa aprofundava-se. Existia definitivamente um tesouro, o Simão sabia-o e o Mário tentava sabê-lo. Enquanto pensávamos nisto tudo, brincámos como dois bons amigos na água. E eu que não tinha gostado do Ricardo quando o conheci…

Já cá fora, enquanto partilhávamos as nossas ideias, lembrei-me das duas conversas que envolviam o Mário. A primeira entre a minha mãe e o Henrique, quando ficara a saber que o Mário precisava de dinheiro e, a segunda, entre o próprio e o meu pai, quando ele se mostrara pela primeira vez muito curioso com a casa vizinha.
- Mas será que ele sabe do tesouro? – perguntou o Ricardo.
- Isso é o que temos que descobrir agora…
- Já adivinhaste quem é que vamos encontrar na Residencial 3 estrelas?
- Não! O Simão?
- Nem mais!! O que é que o ladrão procurava?
- As plantas … que o Simão manifestou tanto interesse em ver. Faz sentido!!!
- Temos que tentar voltar a ligar para a Residencial e perguntar directamente pelo nome dele. Vais ver como passam a chamada a um dos hóspedes.
- E depois o que é que dizemos?
- Quando ele atender, desligamos. Só mesmo para termos a certeza.
- Vou ver se hoje convenço alguém a ir passear à vila.

A minha mãe entretanto, já acordada, veio cumprimentar-nos.
- Bom dia! Vocês não sentem frio?
- Não, está fixe! – A voz electrónica do Ricardo foi mais rápida na resposta do que a minha.

Nós continuámos por ali enquanto a minha mãe seguiu na direcção da tenda branca.
- Carlota! Chega aqui imediatamente – gritou a minha mãe num tom de voz que só usava quando estava mesmo zangada. Fomos a correr, eu à frente e o Ricardo um bocadinho atrás. A minha mãe estava à nossa espera à entrada da tenda.
- Que foi, mãe?
- O que foi? O que foi, é que com a tua brincadeira, apanhei um susto tão grande que ainda não me consegui acalmar.
- Mas eu não fiz nada… - lamentei-me enquanto procurava na minha cabeça algum indício do meu acto criminoso.
- Então vê o espectáculo macabro que está aí dentro..Vou chamar o teu pai.
- Macabro?? – E entrei devagarinho, com o Ricardo bem pertinho de mim.

À primeira vista, não vi logo o que é que tinha impressionado tanto a minha mãe. Era a nossa grande tenda branca, com a aparelhagem a um canto, muitos livros no chão e o quadro que estava a pintar, destapado no outro canto.

O Ricardo foi o primeiro a entrar. Deu um passo, e outro, e parou para observar melhor. Virou-se para me apressar e começou a apontar para uma grande nódoa verde que cobria o lençol amarelo onde eu tinha dormido as minhas sestas.

A nódoa movimentava-se, alastrando a cada momento. Parecia vir do chão de uma das extremidades da tenda e aumentava em direcção ao quadro da minha mãe que se encontrava no extremo oposto. Ao aproximarmo-nos, confirmámos que aí o verde ainda era mais forte, rodeando toda a zona da tela, como um velho anfiteatro orientado para a pintura.

Quando percebi o que era nem queria acreditar. Baixei-me para tocar num dos bichinhos verdes como se precisasse de mexer para confirmar que era real, que não era um desenho ou um brinquedo.

- Mas eu não sei o que se passa…- balbuciei. Nisto, o meu lagartinho passou por entre os meus pés. – Jeremias! Tu fazes ideia do que se está aqui a passar? – Ele olhou para mim, avançou e desapareceu no meio das centenas de lagartos que caminhavam em direcção ao quadro.

Vinham em fila, silenciosos, organizados numa verdadeira procissão de répteis. Aproximavam-se do quadro, preenchiam o primeiro lugar deixado vago por outro lagarto no grande semi-círculo verde e ficavam durante uns segundos a observar a imagem. Depois, ordeiramente regressavam pelo mesmo caminho já percorrido.

Olhei para o Ricardo que estava boquiaberto. A sua cabeça girava em todas as direcções tentando absorver tudo o que via. Sem saber o que dizer, procurei a minha mãe.
- Palavra que não fui eu que os trouxe para aqui….
À entrada estavam agora o meu pai, o Mário e o Henrique. Todos tão surpreendidos com aquela imagem como nós.

– A tua mãe foi buscar a máquina fotográfica, senão ninguém acredita…- Palavras mágicas ou não, no momento em que o meu pai falou, todos os lagartos fugiram num movimento sincronizado.

- Hei!! Onde é que vão?? O que é que estavam aqui a fazer??? – gritei inutilmente. Quando a minha mãe chegou de câmara em punho, já todos tinham desaparecido sem deixar rasto.

- Que diabo se passou aqui? - Perguntou a minha mãe enquanto protegia a tela com um lençol.

- Fácil – começou a explicar o Henrique – toda a comunidade de lagartos se rendeu ao teu talento e veio para admirar uma grande obra de arte!
- Sem brincadeiras. Isto foi o momento mais estranho que eu já vivi…Quando entrei na tenda só vi os lagartos, não percebi o que estavam a fazer.. Brrrr!! Ainda fico arrepiada só de pensar.

Tínhamo-nos sentado todos na cozinha a falar ao mesmo tempo, enquanto a minha mãe preparava uma infusão de ervas.

- És a única artista que eu conheço que tem um clube de fãs no meio animal..- brincou o meu pai – é por isso que eu gosto tanto de ti – e deu-lhe um beijo, carinhoso.
- Se calhar tivemos todos uma alucinação colectiva – tentou justificar o Mário – Há um incêndio grande perto daqui, imaginem que respirámos todos alguma coisa que não devíamos..
- Essa justificação ainda é mais alucinada que a do Jorge – respondeu o Henrique.
- Quantos lagartos seriam? – Questionava a minha mãe.
- Umas centenas deles – avançou a voz electrónica do Ricardo.
- Nem eu tinha visto tanto lagarto junto em toda a minha vida – disse eu.
- Que pena que não tenhas conseguido fotografar – Lamentou-se o Henrique
- Essa ganhava um lugar entre as melhores fotografias do mundo. – Confirmou o meu pai
- Pelo menos era certamente a mais insólita - Acrescentou o Mário.

Estivemos tanto tempo a tentar explicar o inexplicável, que nem demos pela hora do almoço a aproximar-se. O Ricardo foi chamado para regressar a casa, pelo telemóvel da minha mãe. A Vera já estava a ficar preocupada porque começava a ficar tarde e o filho não havia maneira de chegar. Com a certeza de que levava uma justificação bem original para o atraso, ele lá foi a correr pelo caminho.

Durante o almoço lembrei-me da investigação que tinha em curso e tentei um truque que, posso dizer, me saiu muito bem. Logo depois de elogiar a bela refeição preparada pelos meus pais, perguntei o nome de um restaurante que havia na vila onde faziam um arroz de marisco quase tão bom como aquele. Eles lembraram-se logo, não só do nome do restaurante como de que já não iam lá há muito tempo..

- É verdade. Está decidido, vamos lá hoje à noite comemorar a consagração da nossa artista – convidou o meu pai.
Bingo!! – pensei eu, era mesmo aí que eu queria chegar. – E o Ricardo pode vir connosco? – ainda abusei da minha sorte mas, não sei porquê, começaram todos a gozar comigo.
- Vocês também repararam que a Carlota e o Ricardo andam sempre muito juntinhos – começou o Henrique.
- É verdade, muita piscina, passeios, brincadeiras.. não sei se posso autorizar isso – ajudou o meu pai.
- Qual é o mal? – indignei-me.
- Vá lá, não sejam parvos – a minha mãe veio em meu socorro – É claro que sim. Tens é que perguntar aos pais dele se também estão de acordo.

Mais tarde descobri que não estavam. Pelo menos o pai que já pensava que a minha família não tinha um comportamento muito normal. Primeiro tinham sido as viagens inter-galácticas, depois as danças à chuva e, para rematar, uma procissão de lagartos. Desconfiou que, onde quer que nós estivéssemos, iríamos fazer coisas estranhas e, pelo sim, pelo não, preferia não ver o filho metido nisso.

- Que azar!! E a tua mãe não nos pode ajudar? – ainda tentei.
- Não vale a pena. Ela diz que o melhor é deixar que lhe passe. Amanhã já não se lembra. Vais ter que ligar sozinha.
- Mas ele vai reconhecer a minha voz..
- Põe um lenço a tapar o microfone, como fazem nos filmes.
- Posso tentar, mas não vai ser a mesma coisa – disse desanimada.
- E falas só com o da recepção. Quando ele te passar, confirmas que a voz é a do Simão e desligas sem dizer nada, ok?
- Ok – disse enquanto pensava que não era nada OK, que o Ricardo devia ir comigo. Já me estava a afastar quando ele ainda me chamou.
- Carlota! Não contes nada aos teus pais do que o meu pai disse. Sabes como é que são os adultos, ficam chateados com estas coisas e não vale a pena..

Confirmei e regressei a casa, muito apreensiva e nervosa com a minha tarefa.
...

quinta-feira, março 6

Faz por esta altura um ano…

aterrei em casa dos meus pais por um período que acabou por ser muito mais longo e doloroso do que eu alguma vez esperei…

Agora, sentada no sofá da minha casa, com um copo de vinho e o rio em frente, tudo não passa de um pesadelo tão distante que até me custa a acreditar que alguma vez existi longe daqui.
Fez também esta semana um ano que vi Sean Riley & the Slowriders pela primeira vez ao vivo no Maxime. Agora ouço o disco deles em Repeat na minha aparelhagem, de olhos fechados, copo de vinho na mão e o rio em frente… e a minha vida, sempre a mudar...

terça-feira, março 4

EU QUERO IR VER!!!


O Miguel Castro Caldas faz música com palavras, o Bruno Bravo é o maestro que dirige a orquestra, os actores dão o ritmo perfeito... Tem sido assim todas as peças que tenho ido ver dos Primeiros Síntomas, duvido que esta saia do tom. Chama-se Repartição e estreia hoje na Culturgest e só está em cena até sábado. Não sei ainda onde é que a vou encaixar na minha semana, mas tenho a certeza que é imperdível. Se não acreditam, vejam lá se não ficam curiosos...

"Ana começa. Acabaram as repartições de finanças. Ana entra em conflito interno. Acabaram-se as repartições de finanças.
A voz da Ana várias vozes. Vozes de outros. O cúmulo dos outros é o funcionário da repartição de finanças a quem vamos declarar os rendimentos. O funcionário está doente. Ana tem de ir a casa dele. Era o tempo da última repartição de finanças. Viagem. Leito de morte do funcionário. Momento amoroso, em que Ana declara os rendimentos ao funcionário moribundo."
Miguel Castro Caldas

EU QUERO IR VER!!! :)

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segunda-feira, março 3

Aaahhhhhhhhhhhh!

O Nuno Markl deu-me os parabéns por um texto que escrevi para uma sessão de planetário do Centro Multimeios de Espinho... aaaaaaahhhhhh!!! tou a babar!!!! olhem lá...

"Olha que estava um belo texto, e foi respeitado escrupulosamente aqui pelo artista. Parabéns! Acho que o show pode ficar muito giro"

Eu também acho que pode ficar muito giro, já é o segundo texto que escrevo para eles, o primeiro já foi há mais de um ano, para um filme de animação em Full Dome que ainda anda em fases de produção e que já não aguento mais de expectativa para ver o resultado final. Mas este vai chegar primeiro e quando soube que era o Nuno Markl que ia dar voz à personagem sinistra que EU inventei (eh eh) fiquei logo completamente uááááá! Era para ir assistir às gravações mas por contigências do Animiniarte, da novela que ando agora a escrever, não consegui e fiquei cheia de pena. Agora ao ver um post no Há vida em Markl sobre a personagem que criei com tanto carinho, comecei logo a babar... deixei comentário e ainda tive direito a uma senhora resposta que me deixou ainda mais babada. Obrigada Markl, soube que nem cerejas (que gosto mais do que ginjas)! ;)
Só falta esperar mais um bocadinho para ver o resultado final... por falar nisso, quem é que alinha na excursão a Espinho para a estreia desta viagem a um Buraco negro? Bora? :)

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Aúúú...

... em homenagem a um grande fim de semana rock n' rolleiro! Aúúú!

southern culture on the skids
camel walk