Contra factos, não há argumentos.
Vou bem disposta a caminho do trabalho. Consegui acordar com o despertador e vou chegar pela primeira vez a horas à reunião semanal com a patroa megera. Ligo o rádio e percebo porquê. Sem que tivesse dado por isso, a hora tinha mudado durante o fim de semana. Rapidamente substituo o pensamento «estúpida, podias ter ficado a dormir mais uma hora» pela deliciosa imagem de um pequeno almoço divinal na melhor pastelaria da cidade. Faço um desvio no meu caminho e estaciono o carro à porta. Fica a tapar ligeiramente a entrada para uma garagem mas eu vou ficar mesmo ali à frente. Sento-me na esplanada e mimo-me com um estaladiço croissant e um vitaminado sumo natural. Tenho tempo, remato com um café que saboreio com calma. Vou pagar, só tenho cartão, a pastelaria não está preparada mas não há problema. Há um banco mesmo ali ao virar da esquina. Pela quantidade de pessoas que está na fila, deve ser o único. Espreito o relógio, o tempo não pára. Levanto dinheiro, pago a conta, procuro o carro. Procuro o carro? Mas ele não estava mesmo aqui?... Vejo o condutor sorridente do carro que sai da garagem a acenar ao polícia. Vejo o meu carro a desaparecer no fundo da rua, na boleia de um reboque. Corro para o polícia. – Mas eu... só fui ali por um segundo –, contra factos não há argumentos e quanto mais tento argumentar, mais aberto fica o sorriso do senhor polícia. Olho para o relógio, – Tenho mesmo de ir, até que horas posso ir buscar o carro ao parque? – O senhor polícia agora faz questão que o acompanhe à esquadra. O tempo a passar da hora. Quer ver os meus documentos, e é com prazer que soma à do estacionamento a multa por ter moradas diferentes no BI e na Carta de Condução. Merda. – Mudei-me à pouco tempo, ia tratar disso esta semana... – Contra factos não há argumentos, pago as multas e parto de táxi, mais uma vez atrasada para a reunião semanal com a megera. Faço um telefonema no caminho, tento explicar, não há justificação que chegue para um ano de atrasos consecutivos. À chegada a megera sorri para mim. Estou a delirar? Não... diz-me que o projecto a que me dediquei nos últimos meses está uma merda e que tenho até ao final do dia para o refazer todo. É a sua vingança. CABRA. Mas contra factos não há argumentos e não tenho outro remédio se não dedicar-me a refazer tudo o que já tinha deixado feito. ÓDIO. Vejo chegar a hora do almoço. Tenho de aproveitar para ir buscar o carro. A megera à porta do meu gabinete. – Trouxe-lhe almoço para evitar sair... – QUERIDA. Sabe que odeio comida chinesa. Estou furiosa, entorno molho de soja por cima do vestido novo. Fico a tresandar a chop suey. Volto a dedicar toda a minha contrariedade ao projecto já feito. O final do dia a aproximar-se, um telefonema rápido para o parque onde está o carro. – QUANTO?? Por hora?? E se ficar durante a noite é mais qua... – Engasgo-me. É despesa a mais para a minha carteira. Decido acabar o trabalho em casa, finto a megera e saio sem que me veja. Um pequeno almoço demasiado caro e trago o carro do hotel de luxo onde ficou alojado durante o dia. Já em casa, abro o frigorífico, os restos de comida tresandam a podre. Salva-me o pacote de cerelac...
Prestes a voltar ao projecto que vou conseguir acabar antes do sol nascer e de os meus olhos se fecharem, segundos antes do despertador tocar, paro para encarar um último facto nesse dia: «Neste preciso momento, todos os homens que algum dia desejei, estão a foder com outras mulheres!»
Prestes a voltar ao projecto que vou conseguir acabar antes do sol nascer e de os meus olhos se fecharem, segundos antes do despertador tocar, paro para encarar um último facto nesse dia: «Neste preciso momento, todos os homens que algum dia desejei, estão a foder com outras mulheres!»
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