Se conduzir não beba...
Evangelino, chamemos-lhe assim, tinha apenas 48 anos quando, sofreu o acidente que lhe mudou a vida para sempre. “Eu achava-me o melhor condutor do mundo, mesmo com os copos” confessa-nos ele, num dos seus raros momentos de lucidez. A disfunção cerebral com que ficou após o acidente tem afectado toda a sua vida. Despedido do emprego, abandonado pelos amigos, hoje, Evangelino sobrevive da generosidade alheia. Questionados sobre as razões que os levaram a afastar-se, os antigos amigos de Evangelino não acreditam na sua doença. “Isto não é d’agora”, explica-nos Heliodoro que o conhece desde a infância. “já em chavalo ele fazia umas cenas estranhas.... abria a porta prás miúdas passarem primeiro e oferecia-lhes sempre a maior fatia de bolo nas festas de anos”. “Iá! E uma vez até atirou com um casaco para o chão pa uma bacana não pisar merda... só que dizes qu’era o casaco dele... qualquê, era meu e era novo! Devia ter percebido logo!”, acrescenta Urbino, outro amigo de longa data. Os especialistas que têm acompanhado a doença consideram os sintomas muito naturais. “Foram afectados os neurónios que davam a informação necessária ao cérebro para que Evangelino distinguisse uma mulher de toda a restante classe feminina. Mais especificamente, sempre que Evangelino vê uma mulher, vê a mesma mulher: a sua mulher.” Explicou-nos Dr. Kó-Ló, da Associação dos Doentes de Harém. As mulheres da comunidade local reuniram-se para apoiar Evangelino. “Ele chegou-se a mim, agarrou-se-me na cintura, prospegou-me um beijo e disse-me quera a mulher dele... e depois ficou, teimando e teimando que sim... ora quando um homem nos diz uma coisa destas, com uma certeza assim... qué da aproveitar, ou não é?”, pergunta-nos uma anónima que por acaso tinha acabado de se cruzar na rua com Evangelino pela primeira vez. “Pobrezito... tá praí sem trabalho, sem amigos e a única coisa qu’eu sei é que ele tem tanta certeza que a mulher dele sou eu... que até eu fico acreditando!” é Adosinda, vizinha de cima e esposa de Urbino que nos diz. “Os outros podem todos abandoná-lo mas nós não o vamos deixar sofrer”, gritam as centenas de mulheres que todos os dias entram e saem da casa de Evangelino, preocupadas com a doença dele. Atitude que Dr. Kó-Ló aprova por considerar que o mais importante neste momento, é não contrariar o doente. “Se soubesse o que m’avia de acontecer... ou bem que não tinha levado a viatura, ou bem que não tinha bebido o 3 º barril de aguardente de figo”, lamenta-se Evangelino enquanto, prisioneiro da sua doença, aguarda que as investigações médicas descubram a terapia indicada para o seu problema.
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