passarola quer voar: 18. A Assembleia dos 8 Sábios, parte I

sexta-feira, abril 25

18. A Assembleia dos 8 Sábios, parte I

Este capítulo é tão grande que resolvi dividi-lo ao meio. Mas tenho a dizer que tive imenso prazer em relê-lo passados quase 3 anos de o ter escrito. Deve ser dos melhores exercícios de criatividade que já fiz, gosto mesmo muito!! Leiam!!! :)

A Carlota entrou a medo e os seus olhos começaram a refilar pelo excesso de luz que os agrediu à entrada mas, gradualmente foram-na preparando para ver milhões de milhares de lagartos distribuídos pelo chão, paredes e tecto de um amplo salão que deveria ser maior que todas as divisões da sua casa juntas, sem paredes.

Por trás dos recortes feitos pelos corpos dos bichos a tinta amarela alaranjada da parede reflectia a luz dos 10 lustres feitos de muitas pequenas bolas cor de fogo que caíam do tecto e pareciam netas da que a Carlota vira na rotunda por onde passara. Numa zona relativamente baixa, que ficava à altura dos joelhos dela, existia uma linha onde se podia ver uma sequência de imagens desenhadas na pedra, de focinhos de répteis que iam desde os terríveis crocodilos, a centenas de lagartos, lagartixas, camaleões, salamandras, até às simpáticas tartarugas.

Ao perceber que a Carlota discretamente se tentava baixar para conseguir vê-las melhor, o Jeremias explicou:
- Ali temos representadas todas as espécies de répteis que existem neste planeta.

Os olhos da Carlota tentaram seguir as imagens por toda a enorme parede até onde as linhas do desenho se transformavam em pontos imperceptíveis.

O Jeremias fez-lhe um sinal e começaram a avançar por um amplo corredor feito de um tapete cor lilás, que ficava bem ao centro da sala, entre uma enorme e barulhenta audiência de lagartos. Sem conseguir distinguir o que ouvia, Carlota gostou da sensação de voltar a ouvir barulho. Calmamente, enquanto avançava, observava a imensidão de diferenças que existiam entre todos aqueles animais da mesma família. Estava tão distraída e divertida com aqueles seres que comunicavam sem abrir a boca, que nem reparou que se estava a aproximar de uma espécie de palco de madeira onde 8 lagartos de um tom verde seco e pele rugosa aguardavam a sua comparência.

- Seja muito bem vinda, menina!! – Saudou-a uma voz envelhecida que fez calar todo o ruído da assistência.

Carlota olhou para todos eles na tentativa de perceber quem a cumprimentava, mas foi inútil.

- Muito obrigada – disse, rodando a cabeça de forma a agradecer a todos.
- Estes são os Velhos Lagartos Sábios – esclareceu a voz familiar do Jeremias - Eles vão explicar porque te trouxemos aqui.

Enquanto ouvia, Carlota analisava as 8 caricatas criaturas que estavam sentadas como gente, em 8 poltronas feitas de sapatos de senhora cujos saltos lhes atribuíam níveis diferentes.

Os sapatos estavam alinhados na horizontal, de frente para a plateia.
Ao centro da linha, sentado num elegante salto muito alto dourado, estava o que parecia ser o mais velho e talvez o mais sábio de todos os outros. Ostentava uma aliança no pescoço e da parte baixa do focinho saíam-lhe 5 pêlos louros - o que para um lagarto deveria constituir uma farta barba branca, concluiu a Carlota.
Continuando para os dois lados, direito e esquerdo, estavam sentados dois lagartos em dois sapatos de saltos pretos ligeiramente mais baixos. Um deles, o da direita, enfeitava-se com um alfinete d’ama, prateado espetado na ponta da cauda e o outro, o da esquerda, com uma argola coberta de pedras de muitas cores diferentes enfiada no peito.
Dos lados dos saltos pretos estavam dois sapatos vermelhos não muito altos. Os dois lagartos que os ocupavam mantinham um ar verdadeiramente importante por detrás das fitas coloridas que lhes apertavam as cabeças.
Mais afastados do centro da linha, dos dois lados respectivos, dois sapatos rasos, tipo sabrinas de cor azul escuro acomodavam mais dois lagartos: o da direita, vestido com pedaços de pano coloridos e, o da esquerda, com um anel de plástico cor de laranja ao pescoço.

Na ponta do lado direito, um bocadinho recuado e, sem par do lado esquerdo, destoava dos outros sapatos um ténis bota vermelho gasto, com um pequeno bolso lateral de onde saía um malmequer branco. O lagarto que o habitava trazia o focinho parcialmente escondido num enorme dedal metálico.

Da cabeça destas pequenas criaturas, tão mais pequenas que a Carlota, saíam as suas sábias explicações:

- Muitos humanos acreditam que a Era dos Répteis terminou com a extinção dos nossos antepassados dinossauros – dizia a tal voz que a cumprimentara no início.
- … E para nós é bom que assim continuem a pensar – alertava outra voz, ligeiramente mais tremida, enquanto com um movimento das cabeças, os outros lagartos confirmavam.
- O que terminou foi o tempo em que esses répteis gigantes dominaram a superfície do planeta – voltou a primeira voz.

A Carlota sentiu que já era capaz de perceber a origem de cada fala. Quem falava mais era aquele que pelo seu lugar central em cima do seu sapato de cerimónia mais alto deveria ser uma espécie de Sábio dos Sábios. A voz mais tremida vinha do lagarto da argola das pedras coloridas.

- Nós os descendentes desses gigantes, mantemos o domínio réptil, não na superfície que vai sendo cada vez mais povoada pelos vossos, mas no interior do planeta que fomos conquistando à terra e aos minerais. – uma nova voz falou para a confundir.

Por detrás do altar de sapatos, a Carlota viu imagens de diferentes dinossauros representadas na tal galeria de répteis que vinha desde a entrada da sala e que parecia agora ilustrar o discurso dos Sábios.

- Aqui temos toda a espécie de estruturas necessárias à nossa existência. - A Carlota sorriu ao ver o lagarto do alfinete d’ama a mexer-se – Aha!! Agora foste tu. – pensou divertida.

- Temos fontes de calor, armazéns para alimentos, reservas de água e formas inteligentes de comunicação entre as várias comunidades de lagartos que existem espalhadas por enormes extensões do nosso território.

- Quem falou agora? – pensava a Carlota enquanto olhava muito séria à procura de movimento num dos 8 sábios. De repente, aquela Assembleia tinha-se transformado num jogo divertido em que tentava adivinhar a voz certa para cada corpo.

- Mais tarde terá oportunidade de ver alguns exemplos do nosso inteligente desenvolvimento – Carlota podia apostar que tinha falado o mais emproado deles todos, que era um dos das fitas coloridas.

- Mas, o que nos traz a todos aqui, é que o nosso segredo está neste momento a ser ameaçado – voltou a falar o Sábio dos Sábios.
- Rrrhonnnn!!
A Carlota teve a sensação de ouvir um som estranho e tentou perceber de onde vinha enquanto seguia a explicação:

- Primeiro foi a descoberta da nossa reserva de combustível …
- Rrrhonnnn!!
Outra vez o mesmo som!! – pensou a Carlota e girou os olhos pelos ilustres lagartos enquanto o Sábio dos Sábios continuava a falar:
- … e agora a nossa entrada principal exposta num quadro.
Os olhos da Carlota voltaram rapidamente ao Sábio dos Sábios – Quadro?!?!?! O quadro da minha mãe!! São vocês que o têm?
- Afirmativo!! Esse quadro não pode ser visto por nenhum humano! – confirmou o emproado.
- Vocês não podem fazer isso à minha mãe – afligiu-se a Carlota
- Rrrrhhhhoooonnn!!! – Voltou o tal ruído sem que a Carlota lhe prestasse atenção.
- Não encontramos outra solução – voltou a voz tremida do lagarto da argola.
- RRRrrrrrrrhhhhhhoooonnnn!!! – Desta vez foi tão forte, que a Carlota deu um salto para trás com o susto e todos os sábios se calaram.
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