passarola quer voar: 17. Na terra dos lagartos

sexta-feira, abril 18

17. Na terra dos lagartos

e pronto, a Carlota voltou ao ponto de partida, o buraco onde começou a história. Gostei de reler este capítulo. fiquei com a sensação que tudo o que está para trás se resumia a um ou dois capítulos e é aqui que a história começa realmente a ter piada. A ver, que não me lembro de tudo o que vem a seguir... :)

- Ai! – uma sensação pouco confortável despertou a Carlota que abriu os olhos a medo – Onde é que estou? – Tentou distinguir alguma forma na escuridão.

- Oh!! É mesmo verdade!! Voltei a acordar e continuo enfiada num buraco, sem saber como vou sair daqui... – sente o corpo dorido da queda e, assustada, esconde a cabeça nos braços. Volta a sentir o choro a trepar-lhe pela garganta mas desta vez não o afasta. – Como é que ainda ninguém me encontrou…estarei assim tão perdida…

Pareceu-lhe ouvir qualquer coisa e fez um esforço para se concentrar.
- Não te preocupes Carlota – distinguiu claramente embora não ouvisse nenhum som. Inexplicavelmente deixou de se sentir assustada e parou de chorar. Aquela voz que não se ouvia transmitia-lhe um estranho sentimento de calma e confiança.

- Eu vou explicar-te tudo o que se passa, mas vais ter de prometer-me que guardas segredo de tudo o que vires e ouvires.

Era uma sensação curiosa, como se estivesse entre velhos amigos, sem razões para se assustar – Prometo! – respondeu ainda imóvel, do buraco onde tinha adormecido.

Os seus olhos começaram a ver melhor e reparou no pequeno monte de pedras e paus que tinha reunido a um canto do buraco. Viu os seus pais e amigos desenhados na parede e percebeu por que se sentia em casa. Levantou-se e sorriu para o boneco das calças às riscas.

- És tu que estás a falar comigo?
- Não, sou eu. – No chão, uma pequena criatura sorria para ela sem abrir a boca.
- Jeremias!!!! - Baixou-se para confirmar que era o seu amigo - Tu falas??
- Estou a usar uma espécie de telepatia para comunicar contigo.
- Como é que fazes isso? Porque é que nunca falaste comigo antes? – A Carlota não conseguia acreditar que estava mesmo a falar com o Jeremias – Tens de ensinar isso ao Ricardo – ainda disse satisfeita enquanto afagava o focinho do seu lagarto.
Sem explicar mais, o Jeremias convidou - vem comigo.

O lagarto começou a rastejar lentamente em direcção ao fundo daquela pequena gruta. A Carlota seguia-o curiosa. Pararam os dois em frente a uma parede de argila que não apresentava saída. A Carlota olhou para o Jeremias, espantada, e viu a sua pequenina cabeça a desaparecer num pequeno buraco. Ia abrir a boca para o relembrar que não era do tamanho dele quando, com um ruído mecânico, a parede se começou a abrir revelando uma passagem iluminada por tochas de madeira em fogo.

- Uma passagem secreta!!! – A Carlota pensava que, apesar de todos os sustos, este estava a ser o melhor mistério da sua vida – Onde é que vamos?
- Vou-te mostrar onde moro. Abre bem os olhos porque não vais cá voltar outra vez.
O lagarto comunicava de uma forma tão segura que a Carlota sentiu que se invertiam os papéis. Ele já não era mais o seu bichinho de estimação, mas antes, o adulto responsável por ela. Seguiu-o silenciosamente pelos corredores de rocha iluminados.

- Estas grutas existem há milhões de anos e atravessam todo o planeta – explicava o Jeremias enquanto guiava a Carlota pelos seus domínios – Já os ascendentes dos meus ascendentes as utilizavam em períodos frios para hibernar ou simplesmente para se protegerem dos seus inimigos.

Sem que a Carlota desse por isso, avançava cada vez mais no interior da terra.
- Hoje este espaço está preparado para a nossa sobrevivência, independentemente das condições atmosféricas do planeta. Já existíamos antes do aparecimento da vossa espécie e ainda vamos continuar por cá por muitos milhões de anos.

O corredor terminava numa grande rotunda que dava acesso a mais 5 corredores ao seu redor. No centro uma grande bola cor de fogo libertava luz e calor. O Jeremias avançou por um dos caminhos que apresentava as mesmas características do primeiro. Iluminados pelas tochas, continuaram o seu percurso. Tinham avançado pouco quando a Carlota começou a sentir movimento em seu redor. Percebeu que já não estavam sozinhos, vários lagartos ultrapassavam-nos a grande velocidade.

- É a este caminho que vem ter a entrada da pedra que tu viste esta manhã, é por aí que temos acesso à sala da Assembleia, para onde vamos agora.

Apesar da excelente temperatura que se fazia sentir por todo o percurso, a Carlota sentiu um arrepio na espinha ao lembrar-se do seu episódio com os lagartos no local da pedra. – Não me lembro de ver nenhuma abertura…
- Tu não só viste, como ias destruindo o nosso sistema de sensores dessa entrada.

Carlota lembrou-se da forma como o fundo da pedra tinha tremido com a força dos seus dedos e corou envergonhada.

- Só répteis podem accionar essa porta da mesma forma como tu me viste accionar a porta por onde entrámos.
- Então existem mais portas para este espaço.
- Sim, mas as outras têm um acesso limitado.
- Como é que vocês controlam isso?
- Os sensores de que te falei, lêem as nossas escamas e autorizam ou não a passagem.
- Assim como se fossem impressões digitais?
- É um sistema muito mais avançado mas é essa a ideia.

Carlota começou a reparar na luz das tochas a tremer e percebeu que os lagartos não circulavam só pelo chão mas também pelo tecto e paredes.
- Tens a certeza de que isto é seguro?
- Não te preocupes que ninguém te faz mal. Estão todos avisados da tua presença.
- Mas dessa vez tentaram atacar-me..
- Estavam simplesmente a proteger o nosso segredo. Estavas perto demais de descobri-lo e tentaram afastar-te.
- Se não queriam que eu soubesse porque é que me estás a contar tudo isto agora?
- Porque eu sei que posso confiar em ti. Eu e outros lagartos teus amigos garantimos à Assembleia que tu poderias ajudar-nos a manter esse segredo.

A Carlota ainda estava perplexa com tudo o que se passava. Agora, e mais que nunca achava que estava a sonhar mas a verdade é que não queria acordar daquele sonho sem ouvir o fim da história. Sentia-se segura na companhia do Jeremias, num misto de confusão e tranquilidade por ouvir a sua voz.

De repente a Carlota apercebeu-se de que a voz do Jeremias era o único som que ouvia, ou sentia, porque todo o espaço, desde o buraco de onde partira, estava rodeado de um silêncio profundo, estranho. Os lagartos deslocavam-se sem emitir um único som. A Carlota tentou apurar todos os sentidos numa tentativa de identificar o espaço onde se encontrava. O ambiente ali era seco e o único cheiro que conseguia distinguir era o da madeira a queimar nas tochas. Ao fundo uma grande luz anunciava o fim do enorme caminho percorrido.
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