passarola quer voar: 16. A pedra que esconde lagartos

sexta-feira, abril 11

16. A pedra que esconde lagartos

Neste fiz a Carlota sofrer um bocado... tsc tsc tsc... :)

Assim que saí o portão confirmei que não era só junto de minha casa que os lagartos cirandavam. Parecia que toda a zona tinha sido tomada por eles e, quanto mais andava, mais bichos encontrava.

De repente e sem perceber porquê comecei a ficar com medo. O cenário não era nada natural, nem para alguém como eu que sempre tinha gostado daqueles animaizinhos verdes. Parecia que cercavam toda a zona da casa, formando um grande tapete verde que se intensificava para fora do portão que limitava o nosso jardim.

Sem perceber o que se passava não consegui dar mais um passo. – Será que nos estão a cercar?. Receosa pela segurança dos meus pais que estavam lá dentro, pensei dar uma volta para confirmar que aquilo era tudo imaginação minha, que não existia cerco nenhum e que o mais natural é que estes lagartos viessem a fugir de algum incêndio nas proximidades.

Tentei fixar-me nesta ideia para ganhar coragem mas o meu corpo não se mexeu. Estava tão assustada que comecei a imaginar que todos os lagartos vinham na minha direcção. Estavam a preparar-se para me atacar e comecei a sentir qualquer coisa fria nos meus tornozelos. Congelei, parei, fechei os olhos com força. Senti que eram patinhas de lagartos e deixei o meu cérebro ver que não era só um, nem dois, mas centenas e centenas de lagartos a trepar por mim acima.

- AAAAAHHH!!!!! – Gritei com toda a força que tinha e tentei parar o cérebro e abrir os olhos. Comecei aos saltos que nem uma maluca, a tentar libertar-me de todas as criaturas que me invadiam o corpo. Com as mãos, desajeitada, chicoteei braços, barriga e pernas sem efeitos. Respirei fundo e acalmei. – Foi só a tua imaginação – pensei e, mais calma olhei para mim. Inspeccionei-me bem e não encontrei nada. Voltei a sentir um movimento frio a atravessar-me o corpo. Estariam dentro de mim? – Não. Consegui localizar que o frio vinha das costas. Atacavam-me pelas costas!. Num movimento rápido libertei-me da minha mochila sapo e assustei-me com a cor verde do seu focinho. O meu pé já estava a ganhar balanço para a atacar quando percebi que era o desenho da própria mochila. Cuidadosamente levantei-a para a analisar e…

- AAAAHHHHH!!!! – Mexeu-se!! Houve ali qualquer coisa que se mexeu!!!! Eu vi com os olhos abertos!!! Com os olhos bem abertos saltei para trás e preparava-me para fugir quando, num sopro de coragem me voltei uma última vez, para conhecer o inimigo.

- Não pode ser! – Baixei-me para ver melhor e deixei o meu lagartinho trepar-me para a mão, de onde conseguia ver bem os meus olhos a olhar para ele. No seu sorriso consegui vê-lo a perguntar-me se estava tudo bem e a assegurar-me que não precisava de assustar-me. Talvez se risse de todo o meu disparate, dos meus gritos e dos meus saltos. Eu tentei justificar-me:
- Mas tens que me dar razão, isto está muito estranho por aqui.. O que é que se passa Jeremias?

Fez-me uma espécie de carinho na mão com a sua pequena cabeça e olhou para trás na direcção da minha casa. Pousei-o no chão, apanhei a mochila e fui atrás dele até à zona da árvore debaixo da qual a minha mãe costumava pintar. Começou a trepá-la devagarinho para que eu o pudesse seguir e parou num ramo suficientemente forte para que eu me sentasse. Olhou para baixo a indicar-me o que deveria ver.

Não sei quanto tempo fiquei ali, a observar aquela imagem. Os lagartos eram aos milhares e vinham de todas as zonas. De onde estava, conseguia ver bem o manto verde lagarto que se formava naquela área. Ao contrário do que eu tinha pensado, não avançavam na minha direcção e muito menos cercavam a casa. Encaminhavam-se todos para uma pequena pedra que ficava um bocadinho à frente da árvore e desapareciam, inesperadamente, sem se perceber para onde iam.

Quando olhei para o lado o Jeremias já não estava lá, tinha descido e misturava-se agora com os outros animais da sua espécie. Fiquei sem saber o que fazer. Deveria segui-lo ou ficar ali a tentar decifrar o que via?

Estava prestes a decidir descer quando ouvi um ruído que fez parar o movimento verde. Era um carro que se aproximava devagarinho. O carro preto da noite anterior tinha acabado de estacionar ali perto.

Nesse conjunto de segundos em que o condutor pára o carro, abre a porta e sai com as duas pernas para o exterior, eu senti o sangue a subir-me apressado pelo corpo e vi os lagartos dispersarem em muitas direcções até deixar de vê-los. Olhei novamente na direcção do condutor e voltei a sentir medo.

Do cimo da árvore, só conseguia ver o chapéu que lhe escondia a cabeça e deixava sair o corpo alto e magro que eu reconheci imediatamente. Mais uma vez não me deixava ver-lhe o rosto que baixava agora até quase tocar o chão. Esqueci-me de que estava assustada e ri-me da figura cómica que, de rabo espetado, analisava a pedra que tinha escondido os lagartos. Teria ele visto alguma coisa da janela do carro?

Enquanto o homem sem rosto estudava o terreno, a minha cabeça tentava construir o puzzle que ligava todas aquelas peças: os binóculos, o Mário e os lagartos. Tinha-me chamado a miúda dos lagartos, espiava-me ao longe e contava com a ajuda do Mário no que quer que estivesse a preparar. As peças começavam a ligar-se mas ainda não se conseguia perceber o desenho final.

Abraçada com força à árvore, vi o homem sem rosto a afastar-se e senti-me feliz por ele continuar empenhado em descobrir qualquer coisa no chão, não me procurando acima do seu chapéu. Não sei o que descobriu mas, seguiu sem ver os milhares de lagartos que, minutos antes, tinham avançado exactamente na direcção por onde passava agora. Os meus lábios atreveram-se a sorrir enquanto eu me sentia cada vez mais fora de perigo.

O carro preto continuava pacientemente à espera mas o homem sem rosto desaparecia pelos seus próprios pés na direcção oposta. Devagarinho e com os ouvidos atentos, comecei a descer. Avancei na mesma zona da pedra e baixei-me para a ver melhor.

Parecia uma pedra pequenina, cinzenta, com umas saliências. Tentei levantá-la com as mãos e não consegui. Estava bem fixa ao solo e com um peso mil vezes superior à sua frágil aparência. Com os meus dedos pequenos apalpei a sua superfície que parecia uma pequena forma como as que se usam para fazer biscoitos com formas de animais.

Mas esta era mais estreita e talvez um bocadinho mais funda. A medo tentei tocar o fundo da saliência com os meus dedos e senti qualquer coisa a mexer. Assustei-me e retirei os dedos muito rapidamente. Respirei e deitei-me na terra para tentar espreitar lá para dentro. Não se via nada. Mais uma vez tentei tocar o fundo. Senti-o ceder e comecei a fazer mais força. Num segundo pareceu-me que a terra estava a tremer por baixo de mim e assustei-me. Tentei levantar-me mas não consegui. Vários lagartos surgiam debaixo de mim.

- Ahhhh!!! Socorro – gritei aflita, em busca de qualquer coisa a que me pudesse agarrar enquanto me sentia a ser levada por eles. Senti que os sentidos me tentavam fugir e reagi aos berros – Larguem-me!! Socorro!! – Tentei gesticular mas não consegui e desatei num choro aflito, de quem não sabe mais o que fazer. – Ajuda!!! – gritei entre soluços e, à frente dos meus olhos molhados, não vi os lagartos desaparecerem mas já estava de novo sozinha, livre e afastada da zona da pedra com que provavelmente não deveria ter brincado. Levantei-me e comecei a correr, sem ver o caminho, com as lágrimas a caírem-me dos olhos.

- O que aconteceu? – perguntou uma voz grave. Olhei e vi o chapéu do homem sem rosto a vir na minha direcção.
- Nãããoooo!!! – voltei-me e, cada vez mais angustiada lancei-me a correr para o lado oposto do meu inimigo. Tropecei e cai sem olhar para trás. As lágrimas continuavam a escorrer-me dos olhos, a garganta prendia um soluço e o peito apertava-me o coração. Levantei-me. Queria voltar para casa mas não conseguia lembrar-me onde ficava. Voltei a correr na esperança de, por um acaso ou milagre, chegar sã e salva aos braços dos meus pais.
- Espera Carlota!! - Olhei para trás, o homem sem rosto chamava-me. Sabia o meu nome. Continuei a correr. Tropecei numa raiz e bati violentamente com o joelho numa árvore. Tentei recuperar o equilíbrio e balancei-me para um lado e para o outro. Caí para a frente numa cambalhota e fui aterrar num molho de ramos secos que cederam com a pressão do meu corpo deixando-me cair num buraco sem fundo.

- Aaaaaaahhhhhhhhh!!!!!- Gritei antes de fechar os olhos encharcados e sentir o corpo rebentar.
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