passarola quer voar: 15. O que aconteceu ao quadro?

sexta-feira, abril 4

15. O que aconteceu ao quadro?

eu no meu melhor... no momento do drama o que é que uma das personagens diz: "De estômago vazio não se consegue pensar"... Ora bem... :)

Nessa manhã acordei com um grito. Era a voz da minha mãe. Ouvi um burburinho e passos apressados que entravam e saiam da casa numa grande agitação. Levantei-me da cama muito depressa e, de pijama no corpo e ramelas nos olhos, segui aquele som aflitivo que vinha da tenda branca. Quando lá cheguei, encontrei uma verdadeira reunião de pijamas. Uns de calções e t-shirt, outros de calça e camisa, tinham todos ido directamente da cama ver o que tinha acontecido. A minha mãe destoava no centro do grupo, de cara lavada e vestido de praia, a chorar e a falar, sem que se percebesse nada do que dizia.

- Calma, Isabel, explica-nos o que aconteceu – O meu pai, abraçou-a e tentou acalmá-la.
- Eu vinha terminar…fiquei a noite toda a pensar nisso e já sabia o que queria…
Como voltou a chorar sem continuar a sua explicação, o meu pai voltou a insistir – E o que é que querias?
- Já corri tudo, não encontro explicação…
- Não encontras explicação para quê? – Ajudou o Henrique.
- Não está cá… agora que estava tão perto…
- Tão perto de quê? – impacientou-se o meu pai..
- De terminar…vocês viram…
- Por favor, explica-me de que é que estás a falar..- exasperou o meu pai, levantando a voz o que fez com que a minha mãe voltasse a chorar. O Henrique agarrou-lhe nas mãos para a acalmar. Eu e o Mário assistíamos a tudo sem saber o que fazer. De repente percebi:
- O quadro, estás a falar do quadro, mãe?
A minha mãe acenou afirmativamente com a cabeça. Olhámos para o sítio onde tinha ficado na noite anterior e vimos um espaço vazio.
O meu pai, a apontar para o local, perguntou – O que é que lhe aconteceu? Onde é que está?
- Isso queria eu saber - lamentou-se a minha mãe - estava mesmo no fim…
- Calma Isabel, nós vamos descobrir o que aconteceu aqui – assegurou o Henrique..
- Nunca vou ser capaz de fazer outro igual…
- Não penses nisso agora, amor – O meu pai apertou-a com força nos braços e beijou-a.
- Vamos dar aqui uma volta… talvez esteja por aí… - Tentou ajudar o Mário
- Ele não anda sozinho – disse a minha mãe numa voz tremida.
- Querem que ligue para a polícia? – perguntou o Henrique
- Polícia? – Mostrou-se nervoso o Mário – Talvez não seja caso para tanto.
A minha mãe olhou para ele com uma expressão verdadeiramente zangada. O meu pai definiu prioridades:
- Primeiro, o Mário vem comigo dar uma volta aqui na zona, enquanto vocês ficam com a Isabel e aproveitam para preparar o pequeno almoço. De estômago vazio não se consegue pensar. Se não encontrarmos nada, quando chegarmos ligamos à polícia e logo se vê o que acontece.

Enquanto o Henrique tentava animar a minha mãe, aproveitei para lavar as ramelas dos olhos e vestir-me. Pela pequenina janela da casa de banho vi um lagarto a passar que por momentos pensei que pudesse ser o meu Jeremias. Empoleirei-me para olhar melhor e vi que não era. De repente, outro lagarto noutra zona do jardim, e outro e outro. Não andavam juntos e organizados como no dia da procissão mas eram muitos os lagartos que, desordenadamente, atravessavam o nosso quintal. Achei estranho mas não consegui encontrar na minha cabeça nenhuma razão concreta para suspeitar que isso pudesse ter alguma coisa a ver com o desaparecimento do quadro.

Passado pouco tempo, o meu pai e o Mário regressam desanimados. Não viram nem quadro, nem vestígios da passagem do quadro em lado nenhum. Era altura de chamar a polícia. Quis ir falar com o Ricardo mas os meus pais acharam melhor eu esperar pela chegada das autoridades. Era a segunda vez naquele Verão que a polícia era chamada para interferir na minha investigação.

No meu quarto, abri o pequeno caderno que me acompanhava sempre e comecei a escrever as minhas ideias. Lembrei-me do carro negro que por ali andava nessa noite e recordei-me do comentário do Mário ao ver o quadro da minha mãe. Tinha dito qualquer coisa como precioso ou valioso. Será que tinha sido ele a roubá-lo com a ajuda do tal condutor? Mas era tão estranho pensar nisso, ele que sempre tinha sido tão amigo dos meus pais… Não podia esperar para contar tudo ao Ricardo.

- Pelo menos desta vez roubaram alguma coisa – disse o responsável da polícia sem ver a expressão que provocara no rosto da minha mãe – se não iríamos pensar que andavam a gozar connosco..
- E podemos ter esperanças de que descubram os ladrões? – Perguntou asperamente o meu pai.
- Tenho já os meus melhores agentes a recuperar provas no exterior. Mas recapitulando, ontem à noite estiveram todos a olhar para o quadro. Alguma razão para isso?
- Sim, a Carlota sem querer tinha deixado cair a tela. Nós ouvimos barulho e fomos ver o que se tinha passado.
- E posso saber o que a menina andava a fazer por ali às escuras? – disse num tom muito irritante.
- Andava a seguir um lagarto com quem costumo brincar…
- E está à espera que eu acredite nesse disparate.

Desta vez a minha mãe zangou-se – Não está a dizer que foi a minha filha que roubou o quadro, pois não?
- Não senhora – gaguejou atrapalhado – Só penso que uma menina a seguir lagartos é uma coisa…er…um bocadinho suspeita, digamos..
- Pois nós podemos todos aqui confirmar que a Carlota desde pequenina que anda sempre por aí, a brincar com os lagartos – rematou o meu pai.
- E, segundo o seu depoimento – era comigo – o lagarto entrou na tenda por debaixo da lona e a menina foi a segui-lo às escuras. Também passou por debaixo da lona?
Os meus pais começaram a respirar fundo para controlar a sua irritação. O Henrique ria-se e o Mário assistia a tudo inexpressivo
- Não, fui pela entrada – respondi-lhe com determinação.
- E tinham comida ou algo que pudesse atrair o animal ao interior da tenda?
Já estávamos todos tão irritados com a insistência daquela conversa que o meu pai não aguentou mais e explodiu:
- Não, os lagartos gostam de admirar o quadro da minha mulher. Ainda no outro dia vieram às centenas, em fila, para o ver.
O Agente responsável, fez uma expressão incomodada e reagiu - Eu estou só a fazer o meu trabalho, gostaria que me respeitassem…
- É verdade – confirmei – no outro dia fomos dar com a tenda cheia de lagartos que vinham para ver o quadro e partiam.
O agente começou a ficar muito vermelho e inchado. Quando achávamos que estava prestes a explodir, largou num riso histérico de tal forma que até os agentes que andavam lá fora espreitaram para ver o que se passava.
- O caso está resolvido!! – disse ele num tom de voz exaltado – a culpa é dos lagartos. Foram eles que roubaram a obra…
Eu, os meus pais, o Mário e o Henrique olhámos uns para os outros a pôr verdadeiramente aquela solução em questão.
O polícia continuou a falar num registo nervoso – Não querem que acredite nisso, pois não… então vamos lá a ver se conseguimos reconstruir o que se passou ontem à noite.

Depois de mais umas perguntas imbecis, o responsável pouco simpático despediu-se, dizendo que iriam cruzar os dados com os do outro assalto e que voltariam mais tarde para continuar as investigações no local.

Quando finalmente saíram, ainda ficámos todos calados por um momento. O Henrique foi o primeiro a perguntar – Vocês acham?
- É uma ideia um bocado absurda – confessou o meu pai.
- Difícil de acreditar – confirmou o Mário.
- Eu acho que isso é um disparate. Para que é que os lagartos quereriam o meu quadro? Para onde é que o levariam e como?… Não sei se já pensaram nisso mas uma tela não deve ser coisa fácil de transportar para um lagarto..
- Tens razão Isabel, isto é um disparate pegado – concluiu o Henrique – Mas quem é que teria interesse em levar o quadro – e olhou para o Mário de uma forma suspeita que, incomodado, se levantou e saiu da casa irritado.

O Henrique seguiu-o e eu fiquei a ver para onde iam. Sentaram-se na piscina a falar. O meu pai foi para a cozinha preparar o almoço e, a minha mãe deixou-se ficar, apática, estendida no sofá. Dei-lhe um beijinho na testa e saí para tentar aproximar-me dos meus suspeitos.

- Não é desconfiar de ti mas tens que admitir que ultimamente andas muito estranho. Se estás a ser pressionado, se tens alguma dívida, alguma coisa grave, podes confiar em mim.
- Vai chatear outro! – O Mário, pouco satisfeito com a conversa, levantou-se novamente e saiu pelo portão a andar apressado até se perder no meio das árvores.
O Henrique ficou imóvel junto à piscina e eu voltei para a casa enquanto pensava – pois, esta conversa não me traz nada de novo. Poderá ter sido o Mário e é por isso que nos está agora a evitar?
- O que é que estás para aí a dizer, Carlota? – Acho que devo ter pensado alto e o meu pai ouviu alguma coisa.
- Eu não disse nada…
- Então estás a ficar velha… a falar sozinha, porque estavas a dizer qualquer coisa…- e fez-me uma festinha na cabeça.

Durante o almoço contei os minutos até poder sair para ir ter com o Ricardo.
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