passarola quer voar: 13. Um dia azarado

sexta-feira, março 21

13. Um dia azarado

e com o feriado e tal já quase que me ia esquecendo... boa páscoa!!!! :)

Quando acordei nem queria acreditar. O sol já ia alto há muito tempo e eu tinha-me deixado dormir. Acho que com a excitação dos últimos dias andava a descansar pouco e mal e, nessa noite, com pesadelos ou não, fiquei agarrada à almofada até muito depois da hora a que queria ter acordado. Que azar – pensei – logo hoje que tenho tanta coisa para preparar para a investigação da tarde…

Despachei-me rapidamente e fui a correr ter com o Ricardo. Quando lá cheguei, a Vera disse-me que ele tinha acabado de sair à minha procura. Não sei como, mas tínhamo-nos desencontrado. E estávamos prestes a desencontrar-nos outra vez, porque eu já me estava a preparar para regressar a casa, quando o Gaudi veio ao meu encontro. Fiz-lhe uma festa e expliquei-lhe que ia atrás do Ricardo mas que já voltava. Não me deixou. Apanhou um pau com a boca e trouxe-mo a convidar-me para brincar. Não sei se estava a pedir entretenimento se me estava ele a entreter, a verdade é que tinha acabado de lançar o pau pela segunda vez, quando o meu amigo apareceu cansado.

Assim que se recompôs, perguntou-me:
- Onde é que andavas? Fartei-me de esperar e fui à tua procura.
- Desculpa, adormeci – respondi-lhe enquanto afagava o pêlo do cão.
- Estou ansioso que me contes tudo.
- Nem imaginas o susto que apanhei – Enquanto falávamos, sentámo-nos junto da árvore que havia no quintal da casa dele. O Gaudi deitou-se aos nosso pés. Contei-lhe tudo sem que me interrompesse uma única vez. Comecei por lhe falar das duas chamadas telefónicas. A que eu fiz para a residencial e a que o Mário fez, ou recebeu, e que não quis contar a ninguém. Deixei o pior para o fim. O Ricardo olhava para mim muito sério e acenava com a cabeça de quando em quando, a dizer-me que estava a prestar atenção.

Quando lhe contei do homem sem rosto franziu as sobrancelhas e fez uma expressão preocupada durante algum tempo. Perguntei-lhe o que é que achava e ele, ainda sem dizer nada, pegou na minha mão, levou-me para uma zona de descampado por detrás da casa e escreveu.
- Já há muito tempo que ando curioso com uma coisa. Discretamente olha para trás de mim e vê se não vês uma luz forte a brilhar.
Olhei para um lado e para o outro e não vi nada. O Ricardo baixou-se para apanhar qualquer coisa do chão e levantou-se com a cabeça erguida na zona que me indicara. Passou-me uma pedra para as mãos e explicou.
- Olha para a pedra para pensarem que estamos a falar sobre ela.
- Mas não está ninguém a ver-nos – achei que ele estava a ficar maluco.
- Por trás da minha cabeça, consegues ver um monte com umas casas bem no alto? – E apontou para a pedra.

Olhei melhor para analisar a paisagem ampla que se estendia por trás dele. Era formada por pequenos montes com muitas árvores, muitas delas queimadas pelos incêndios que, nos últimos anos, tinham destruído uma grande área daquela zona. Num dos poucos montes ainda verdes, existiam algumas casas, tão pequenas no horizonte como metade do meu dedo mindinho.
- Repara bem se não vês uma luz a brilhar nesta direcção. – Finalmente consegui ver o que me indicava. Não era bem uma luz, era mais uma espécie de reflexo luminoso que só era visível de determinado ângulo. Voltei a olhar para a pedra e perguntei.
- O que é que achas que é?
- Acho que são binóculos. Foi o Jeremias que me trouxe aqui, há uns dias atrás.
- O meu lagarto anda a querer contar-nos alguma coisa…
- De onde estão podem ver a minha casa e toda esta zona muito bem.
- Epá! Mas isso significa que anda alguém a espiar-nos!
- Se for o teu homem sem rosto, está explicado como é que sabe tanto de ti.

Brrrr!!!. Arrepiei-me toda com aquela ideia. – E que ligação é que isso tem com a nossa história?
- É mais uma confirmação que esta casa esconde um tesouro e que anda muita gente atrás dele.
- Já não aguento mais pensar nisso e não fazer nada para o tentar desenterrar – suspirei.
- Mas também não podemos vir para aqui de pás em punho a escavar por todo o lado.
- Principalmente sem que ninguém veja, com tantos olhos postos nesta casa.
- Para já não sei o que é que nós poderemos fazer.
- Bem, em primeiro lugar podemos tentar seguir a nossa próxima pista. O encontro misterioso do Mário, hoje às 15h.

O Ricardo agarrou na sua caneta e ficou a olhar para o monitor em silêncio. Pressenti que hesitava sobre a melhor forma de me dizer qualquer coisa. Finalmente escreveu, com uma expressão triste.
- O meu pai não me vai deixar ir a tua casa.
- Nem penses, depois dos sustos que apanhei ontem não quero ir sozinha. Não podemos pedir ajuda à tua mãe?
- Já pedi, ela diz que o melhor é vires tu brincar comigo cá para casa.
- Mas diz-lhe que queres ir brincar para a piscina.
- Não vale a pena.
- E se fugires sem lhes dizer nada?
- Posso tentar mas não garanto que consiga.

Tristes, começámos a andar em direcção à casa. O Gaudi foi o primeiro a sentir o cheiro da comida e a disparar em direcção à cozinha onde os pais do Ricardo já estavam a pôr a mesa para o almoço. A Vera ainda me convidou para ficar mas eu inventei uma desculpa e continuei em direcção ao portão. Olhei mais uma vez para o Ricardo que, de olhos postos no computador, me disse:
- Se eu não aparecer até às 14h, o melhor é avançares sem mim.

Que azar!!! Esta embirração do Tomás não podia vir em pior altura. Até parece que está a fazer de propósito para impedir o nosso trabalho. Fui todo o caminho de casa a pensar mal dele. Este está mesmo a ser um dia azarado! – Queixei-me alto sem que ninguém me ouvisse.

Durante o almoço percebi que não era a única mal disposta da casa. Não sei o que raio é que se tinha passado na minha ausência mas estavam todos mal humorados e zangados uns com os outros. Que raio de dia! – continuei a pensar com uma vontade cada vez mais forte de chorar e de desistir de tudo.

A partir de determinado momento comecei a sentir o Mário mais inquieto. Levantou-se da mesa com alguns pratos sujos na mão e o Henrique seguiu-o. O meu pai estava a embirrar com a minha mãe e a minha mãe com o meu pai. Cometi o erro de perguntar as horas e um respondeu-me que faltavam quinze minutos para as duas e outro que passavam 45 minutos da uma. Voltaram a discutir e eu olhei em volta à procura de boas notícias. Ninguém se aproximava da casa. Levantei-me, agarrei nuns copos para levar para a cozinha e comecei a andar nessa direcção.

Ouvi o Mário a gritar com o Henrique e o Henrique com o Mário. Quando cheguei vi uma porta bater e só encontrei o Mário com cara de poucos amigos. Virou-me as costas e voltou para o exterior onde os meus pais continuavam a embirrar um com o outro. Fiquei a observá-los da janela da cozinha. Belisquei-me uma e duas vezes na esperança de ainda estar a dormir. Pouca sorte. Continuei acordada e o Mário já se encaminhava para o portão de saída. Fiquei a pensar se o seguia ou não. Decidi segui-lo.

Fui um bocadinho atrás para que não me visse. Com a disposição com que estava, era capaz de me comer viva, se me sentisse por perto. Andou um bocado e acabou por parar junto de um caminho de terra. Encontrei um esconderijo atrás de uma árvore suficientemente perto para que o pudesse ver e suficientemente longe, para que ele não me pudesse ver a mim.

Achei que era melhor não me aproximar demais porque, hoje, não estava definitivamente preparada para surpresas. Ouvi o barulho de um carro e pensei antes de espreitar. Hoje mais do que nunca, sentia medo de ser apanhada. No entanto, levei demasiado tempo a pensar e, quando espreitei, já o carro se afastava com o Mário lá dentro.

Era um carro preto, comprido e brilhante. Não consegui ver nem matrícula nem condutor, só vi que não era nenhum carro que eu já tivesse visto. Fiquei ali sentada, triste comigo, triste com o Ricardo, triste com tudo e com todos.

Comecei a andar lentamente de regresso a casa. Quando já não esperava que nada de bom me pudesse acontecer, o meu lagarto atravessou-se aos meus pés. Fiquei tão contente de o ver que fui a correr atrás dele. Pouco à frente estava uma figura familiar, sorridente, com um computador na mão e um cão ao lado.

- Atrasei-me um bocadinho – ouvi a sua voz electrónica dizer. Passei por eles, ultrapassei o Jeremias e continuei a correr em círculos, a rir-me, com os três a correrem atrás de mim.
...

Etiquetas: ,