passarola quer voar: Terror no Lar de 3ª idade

quinta-feira, julho 30

Terror no Lar de 3ª idade

Fechado no espaço apertado de um roupeiro de um lar de terceira idade de senhoras, ele continuava a pensar e repensar o que é que estava ali a fazer.
Que a avó era maluca e capaz de inventar histórias como aquela e bem piores, já ele sabia, mas quando um grupo de velhas o começou a agarrar, consecutivamente, à saída, implorando-lhe para que as levasse com ele, a história tornou-se mais séria.

Pelo que a avó lhe contava, aquele adorável e acolhedor lar à luz do dia, ganhava contornos mais negros durante a noite. As doces freiras e enfermeiras transformavam-se em criaturas demoníacas que violentavam e roubavam as senhoras mais idosas e incapacitadas do lar. E se alguma se atrevia a contar a verdade às visitas, era sempre invenção da velhice, ou da Alzheimer. Quem é que ia acreditar num bando de velhotas que, com memória de peixe, repetia sistematicamente as mesmas frases em loop?
A verdade é que o dinheiro na bolsa da avó desaparecia de dia para dia. E os olhares angustiados das outras velhotas que o agarravam, suplicando-lhe que as ajudasse a fugir, tinham-no impressionado.
Por isso, longe de imaginar o horror que ia viver nas próximas horas, decidiu ficar lá uma noite para investigar o que é que se passava por ali.

O combinado é que a avó o libertaria na hora certa para que pudesse assistir ao inferno que era o lar da terceira idade durante a noite. Mas o ar abafado do roupeiro estava a deixá-lo nervoso. Ainda para mais, a cabeça da avó já não era de confiança. O mais provável era que já se tivesse esquecido do combinado e que o deixasse ali a noite toda, à fome, calor e sufoco do ar fechado do roupeiro.
Tentou respirar fundo para descontrair mas arrependeu-se logo. Uma lufada de ar bafiento e com cheiro a naftalina agrediu-lhe as narinas violentamente. Agoniado, procurou alguma fresta no roupeiro por onde entrasse ar fresco. Não encontrou nenhuma e entrou em pânico. E se não houvesse nenhuma entrada de ar do exterior? O oxigénio devia estar a acabar e ele, a morrer estupidamente enfiado num roupeiro de um lar de velhas loucas. Velhas que inventam histórias de enfermeiras e freiras do demónio, para distrair o aborrecimento de estar na terceira idade e não saber o que fazer com o tempo. Sentiu o coração a bater mais depressa e o medo a invadir-lhe o corpo.
Tentou controlar-se. Aquilo era tudo um grande disparate, pensou.
A avó ia tirá-lo do roupeiro e ele ia ver com os próprios olhos que velhas, freiras e enfermeiras, estavam todas a dormir na paz dos anjinhos. Voltou a respirar fundo e a engasgar-se com o bafo a laca e naftalina que saia dos vestidos das velhas.

Decidiu encostar um ouvido à porta para tentar ouvir o que se passava lá fora. Aos bocados os televisores de onde saiam vozes estridentes e publicidade em altos berros, foram-se desligando. Isso significava que já se estavam todas a deitar e em breve seria a hora da verdade. Se a avó não o soltasse dentro de um bocado, arrombava a porta do roupeiro das velhas. Estava decidido.
O barulho de passos no quarto chamou a atenção do ouvido dele. Andava alguém por ali, mas não eram os passos de uma pessoa só. Eram vários passos e sussurros que lhe indicavam que várias pessoas estavam a avançar na direcção dele.
E se fosse verdade a história da avó? Os passos podiam ser de um bando de freiras e enfermeiras possessas que já sabiam da presença dele e se preparavam para o arrancar dali. Talvez o quisessem matar, fazer desaparecer misteriosamente. Assim a verdade sobre o horror do lar à noite nunca seria descoberta e depois, quem é que ia acreditar na avó dele? A velhota que todos os dias acordava e adormecia com a mesma roupa vestida, negando-se a despi-la, não fosse as enfermeiras roubarem-lha quando a levavam para lavar. Aqueles poderiam ser os seus últimos segundos de vida e ele só pensava, que últimos segundos de vida tão estúpidos, enfiado no roupeiro de um quarto de um lar de velhas.

... a ser continuada ...

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