passarola quer voar: 7. Uma visita surpresa com alteração de planos

sexta-feira, fevereiro 8

7. Uma visita surpresa com alteração de planos

um capítulo com muitos gelados dentro de um saco térmico e caril de peixe para o jantar...

Depois do almoço, refugiámo-nos os três na tenda branca. Fiquei a ver a minha mãe pintar por um bocado. Ela explicou-me que estava a utilizar na sua pintura as cores e texturas daquela paisagem e começou a cantarolar uma música suave. O meu pai já tinha adormecido sobre o livro e eu, estava quase a adormecer, quando senti a minha mãe a pegar na tela e nos pincéis e a ir para o exterior. Deixei-me ficar e devo ter adormecido.

Acordei com um grande rebuliço e fui ver o que se passava. Junto ao portão estava um carro que eu reconheci logo. Era o carro do Mário e do Henrique, dois grandes amigos dos meus pais que praticamente vivem em nossa casa. Entrei na cozinha e fui inesperadamente agarrada e girada no ar.
- Olha quem é ela!!
- Henrique!! Que surpresa!!
- Pensavas que passavas as férias longe de mim?
- Que bom!! - Abracei o meu actor favorito com muita força – Vieram passar uns dias connosco?
- Sabes que nós não conseguimos viver muito tempo longe de vocês…
- Boa – aplaudi de satisfação e abracei-o novamente.

Estávamos os dois numa grande festa quando o Mário e os meus pais entraram na cozinha. O Mário falava sempre comigo de uma forma muito desajeitada, como se não soubesse como se dirigir a uma pessoa da minha idade.
- Então Carlota, que tal as tuas férias?
Disse-lhe que iam bem, ele sorriu-me, fez-me uma festa na cabeça e chamou o Henrique para o ajudar a trazer uns sacos do carro. O Henrique explicou com o seu conhecido bom humor – Já que não pagamos o alojamento, fazemos questão de vos alimentar…

Trouxeram sacos e sacos e sacos do supermercado e arrumaram tudo nos seus lugares.

Começaram logo a fazer planos para o jantar dessa noite e eu a ver os meus planos a irem por água abaixo:
- Então não vamos jantar à vila?
- Porquê? – perguntou a minha mãe – já não confias nos dotes culinários dos nossos amigos?
- Oh!! Não é isso. É só porque nós já tínhamos combinado…- Disfarcei, mas fiquei mesmo chateada com aquela alteração de ideias. Ainda por cima, com tantos mantimentos a entrarem no frigorífico, os meus pais podiam até pensar não sair de casa nos próximos dias. – Mas amanhã podemos ir comer um daqueles gelados italianos que eu gosto?… - arrisquei.
- É verdade, onde é que está o saco térmico? – Perguntou o Henrique ao Mário – É que também trouxemos um grande abastecimento de gelados de todos os sabores, para todos os gostos…Não queremos que falte nada nesta casa!!…
- Sorte!! – Deixei escapar. Contrariada fui para a piscina. Não quis insistir nessa conversa porque alguém podia desconfiar das minhas intenções, mas fiquei preocupada com aquela questão.

Tentei ficar zangada mas, no meio de tanta gente bem disposta, foi mesmo impossível. O Henrique começou a atirar-me uma bola para se meter comigo e acabou por inventar um jogo para a piscina que envolvia uma bola e um colchão. Ele atirava-me a bola e eu tinha que a apanhar equilibrada em cima do colchão. Parece mais fácil dito do que feito. Na verdade, cada bola que me atirava, era um mergulho certo. Já estavam todos a rir-se às minhas custas quando os desafiei a virem para o meu lugar. O meu pai juntou-se à brincadeira e estabelecemos novas regras. Cada vez que alguém apanha uma bola, troca de lugar com quem a enviou. Já estava eu, o meu pai e o Henrique numa grande galhofa, quando o Mário não resistiu e também se juntou a nós. A minha mãe tinha voltado ao quadro.

Ao cair da tarde já estávamos os quatro exaustos de tanta brincadeira. O Mário e o Henrique decidiram que estava na hora dos preparativos para o jantar e eu, ao sair da piscina, reparei que o Jeremias estava à minha espera, deitado numa das nossas cadeiras de praia. Lembrei-me que tinha uma investigação em curso e que deveria participar ao meu companheiro os últimos acontecimentos.

Tomei um duche rápido e fui com o Jeremias até ao meu quarto. Enquanto me secava e vestia uns calções, contei-lhe dos planos que tinham sido alterados e expliquei que ia agora falar com o Ricardo. Ele olhou para mim, saltou para a frente dos meus pés e começou a encaminhar-me para a rua. Não na direcção da casa dos vizinhos, como eu pensava, mas para junto do sobreiro onde a minha mãe tinha estado a pintar nessa tarde. Tinha coberto a tela com um lençol e estava agora a falar com o Henrique. Aproximei-me devagarinho para tentar ouvir o que diziam.

- Foi de repente. O Mário começou a ter umas reuniões sobre as quais não me falava, uns trabalhos que não me explicava e depois, de um dia para o outro, pára tudo que temos que vir aqui ter convosco. Como se estivesse a fugir de alguma coisa. Não justificou nada…- dizia o Henrique.
- Posso tentar falar com ele mas achas que tem a ver com dinheiro?
- Acho que para arranjar dinheiro para a nova peça se meteu em alguma encrenca…
- E tu não imaginas o que possa ser?… – continuou a minha mãe.

O Henrique abanou a cabeça, encolheu os ombros e concluiu – Eu só sei que ele anda muito nervoso e nós temos que descobrir porquê…

Eu queria continuar a ouvir mas, o Jeremias não me deixou. Deu uma volta e disparou novamente na direcção da casa. Fui atrás dele e encontrei-o na parede do lado de fora da cozinha, junto à janela, de onde se podia ouvir a conversa que o Mário e meu pai estavam a ter no interior.

- Gostámos deles. Vieram cá jantar e até foi uma noite bastante agradável. Quem é que te disse que tínhamos vizinhos novos? – perguntou o meu pai num tom natural.
- Eu vi a casa no caminho – Respondeu o Mário enquanto, nervoso, mexia um refogado – Podíamos convidá-los para jantarem cá amanhã.
- Logo se vê…

O Henrique e a minha mãe voltavam na nossa direcção e eu e o Jeremias fomos para o meu quarto antes que nos vissem.

- Mais mistérios para eu resolver. Já não me bastava um – refilei com o lagarto. – E afinal, o que é que tu queres de mim? O que é que tu sabes que eu não sei? – Fiquei à espera da resposta que não veio. Percebi, pelo cheiro, que já não tinha tempo de ir a casa do Ricardo antes de jantar. – Como é que eu consigo estar em duas frentes ao mesmo tempo? O que era bom, era que o Ricardo viesse ter comigo…

Não foi preciso dizer mais nada. O Jeremias olhou para mim e saiu pela janela para tratar do assunto. Eu fiquei a pensar com os meus botões e a tomar notas no meu caderno.

A Vera e o Tomás escondem um segredo. O Mário tem outro segredo. Até aqui eu vou. Agora, não encontro nada estranho na conversa do meu pai com o Mário. Ele estava um bocado nervoso mas ele está sempre tão tenso, mesmo quando está descontraído. Será que perdi alguma parte importante da conversa?

– Ai, se o Jeremias falasse!! – exclamei alto..
- Se o Jeremias falasse diria: então vamos lá provar esse famoso caril de peixe… - Espreitou a minha mãe para me chamar para jantar. Eu ri-me e lá fui…
...

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