passarola quer voar: 6. Uma manhã cheia de cumplicidades

sexta-feira, fevereiro 1

6. Uma manhã cheia de cumplicidades

Este vem acompanhado de panquecas... numa homenagem ao Petzi, que me deixava sempre com água na boca! :)

Acordei com alguém a bater-me na janela. Meia estremunhada levantei-me e fui ver o que se passava.
- Estás acordada? – perguntou-me o Ricardo com um ar sério.
- Agora estou! – Respondi-lhe sem ter tido tempo de me lembrar de tudo o que tinha acontecido.
- Preciso de falar contigo – escreveu.
O mais depressa que pude, enfiei-me no fato de banho, lavei a cara e fui ter com ele à parte de fora da casa. Sentámo-nos ao pé da piscina e ele começou logo a falar.
- Estiveste ontem em minha casa?
Respirei fundo e tentei perceber primeiro o que ele queria saber – Estive contigo, lembras-te?
- Dentro de casa?
Fiquei a olhar para ele sem saber o que responder.
- Isto é teu, não é? – nas mãos tinha um pequeno gancho vermelho com uma joaninha. Automaticamente levei as mãos ao cabelo e percebi que o tinha perdido sem dar por isso.
- Onde é que estava?
- Debaixo da cama dos meus pais.
- Foi a polícia?
- Não, fui eu que o encontrei. Não disse nada a ninguém.
- Se calhar foi o Gaudi - disse eu já muito vermelha. O Ricardo não me respondeu e continuou a olhar para mim, muito sério.
Engoli em seco e menti – Sabes que eu sou muito coscuvilheira e fiquei curiosa para ver a casa por dentro..
- No jantar em tua casa, estavas a espiar os meus pais, não estavas?
Foi aqui que percebi que não valia a pena tentar enganá-lo - Não é bem espiar, estava a falar com o Jeremias e ouvi qualquer coisa sem querer.
O Ricardo olhou para mim um bocado e, finalmente, perguntou – O que é que ouviste?
- Qualquer coisa que tinha a ver com um segredo…
- Ouve Carlota, é muito importante para mim que me digas tudo o que sabes..
- Foi por causa de mim que chamaram a polícia?
- Eu conto-te tudo o que sei se me prometeres o mesmo.

Num repente contei-lhe tudo. Como tinha ouvido o seu pai dizer que guardava um segredo terrível sobre o qual não podia falar e depois, contei-lhe a estranha conversa telefónica que tinha ouvido. Disse-lhe que tinha uma pista mas que só lhe mostrava depois dele cumprir a sua parte. Era a sua vez de me contar por que é que a polícia tinha sido chamada:

- Quando chegámos, a casa estava um caos, com tudo remexido, coisas partidas, armários abertos, gavetas esvaziadas. Foste tu?
- Não – respondi logo, meio escandalizada com a pergunta, meio aliviada por perceber que não tinha a polícia atrás de mim..

- E foi por isso que os meus pais chamaram logo a polícia. Alguém esteve lá em casa à procura de uma coisa que não encontrou.
- O quê? – perguntei logo muito curiosa.
- Tenho que explicar-te tudo desde o princípio. – e parou de escrever porque os meus pais vinham ao nosso encontro.

- Bom dia! Fizemos panquecas para o pequeno almoço. Vocês já comeram? – Perguntou a minha mãe e cumprimentou-nos aos dois com um beijinho na testa.
O meu pai perguntou ao Ricardo como estavam os pais dele e convidou-os a aparecer quando quisessem – Já sabem, nós gostamos de ter a casa cheia!!

- Mas o que é que estão à espera? – reforçou a minha mãe enquanto experimentava a temperatura da água da piscina – as panquecas estão a chamar-vos em cima do balcão. Podem atacar!

- Fixe!! – Era a oportunidade que eu esperava e arrastei logo o Ricardo para a cozinha.
- Podes continuar que agora só saem da piscina quando sentirem fome…- disse eu e tirei do armário o doce de morango para rechear as panquecas. Comemos deliciados e o Ricardo contou a sua história.

Tudo tinha começado muito tempo antes. De um momento para o outro, os seus pais começaram a falar às escondidas, cheios de sussurros e segredos. No início o Ricardo pensou que o problema era com ele. Como os pais nunca tinham parado de procurar soluções para a sua mudez, considerou a hipótese de alguma operação demasiado cara que algum médico recomendara ou algum tratamento no estrangeiro.

Acreditou nisso e sentiu-se culpado pelo mal estar dos pais até ao dia anterior. Depois da conversa telefónica que a Carlota tinha ouvido, o Tomás veio buscar repentinamente a família para um passeio até um banco que ficava na vila. Debaixo do braço levava as plantas da casa de campo.

- Vi e ouvi o suficiente para perceber que todo este segredo tem a ver com aquela casa. – concluiu.
- E conseguiste ver as plantas?
- Ainda não, o meu pai guardou-as num cofre no banco. Acredita que é atrás delas que anda o nosso ladrão.
- E a polícia, o que é que disse?
- Não disse nada. Andou a vasculhar, registou a queixa e foi-se embora sem adiantar muito.
- É o normal…
- Mas os meus pais não lhes contaram nada sobre o segredo… eu estive com atenção..
- Então já temos mais pistas do que a polícia. Ainda vamos encontrar o ladrão primeiro!
- Por falar em pistas, disseste que tinhas uma.
- Espera um bocadinho – levantei-me e fui ao meu quarto buscar o pequeno caderno onde tinha guardado o número de telefone – Olha! Este é o número que a tua mãe escreveu ontem. Acho que nos pode levar ao ladrão.

O Ricardo escreveu qualquer coisa no computador que a voz electrónica não leu. Continuou a escrever com a sua caneta, sem se ouvir palavra.

- O que é que estás a fazer? – Perguntei enquanto, empoleirada num banco, começava a lavar os nossos pratos sujos de panquecas com doce.
- Fiz uma pesquisa na Net com estes números mas não deu nada – Pensou por mais uns momentos e voltou a escrever – Temos duas coisas para descobrir. A primeira é a quem pertence este número e a segunda é o que escondem as plantas da minha casa.
- A primeira é fácil, é só ligar.
- Sim, mas não pode ser de qualquer telefone. O ladrão pode descobrir o número.
- Já sei. Hoje eu e os meus pais vamos jantar à vila. Lá há uma cabine pública, posso usá-la.
O Ricardo aplaudiu a minha ideia e escreveu – E eu posso tentar descobrir entre os projectos da minha mãe se há alguma dica do que possa estar escondido nas plantas.
- O que é que a tua mãe pode ter? – perguntei sem perceber muito bem a ideia dele.
- É que foi a minha mãe quem as desenhou. Ela é arquitecta.
- Boa!! – exclamei satisfeita com os nossos planos.

Acabámos a manhã com muitos mergulhos na piscina e quando o Ricardo se foi embora para almoçar, senti-me mesmo feliz por ter desabafado com ele. Era a primeira vez que tinha um cúmplice nas minhas investigações.

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