passarola quer voar: 8. Entra em cena mais uma personagem misteriosa

sexta-feira, fevereiro 15

8. Entra em cena mais uma personagem misteriosa

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Ainda não tínhamos terminado de jantar quando o Jeremias espreitou à janela. Uma mancha branca que se destacava no seu corpo verde chamou a minha atenção e eu, discretamente, levantei-me da mesa para ir ver o que era. Contornei a casa e encontrei-me com ele do lado de fora da janela. Trazia uma mensagem presa à volta da barriga com uma corda.

Impaciente, retirei-a para a ler:

Vem ter comigo amanhã de manhã.
Tenho novidades. Ricardo

O resto da noite passou muito devagar. Principalmente porque eu queria que o amanhã de manhã chegasse depressa para saber as novidades. Mas é sempre assim, até parece que o tempo faz de propósito para nos contrariar. Se não fossem as histórias que o Henrique começou a inventar para mim, acho que nem tinha conseguido dormir de tão excitada que estava. Acabei por adormecer no sofá da sala para mais tarde acordar na minha cama, para onde o meu pai me tinha levado ao colo. Já era amanhã de manhã! – Foi a minha primeira conclusão brilhante do dia.

Vesti-me a correr, engoli um copo de leite e fui a roer uma maçã no caminho da casa vizinha. Quando cheguei estava a parar um carro que eu nunca tinha visto. Lá de dentro saiu um homem encorpado, não muito alto, de calças de ganga, camisa preta e óculos escuros a quem o Gaudi começou imediatamente a ladrar. A Vera apareceu à porta e não parecia nada satisfeita com aquela visita. Chamou o Tomás que começou a discutir com ele.

De onde estava, conseguia ouvir o som da voz zangada do Tomás mas não conseguia ouvir o que dizia. Via que gesticulava muito enquanto o outro se mantinha calmo e sorridente, argumentando com ele. A Vera estava a segurar o Gaudi que continuava muito inquieto.

Aproximei-me um bocadinho e vi que o Ricardo estava à escuta da janela do quarto. Ele fez-me sinal para que não avançasse mas foi tarde de mais, o Gaudi já me tinha sentido e denunciado à Vera. Com um movimento brusco, libertou-se e veio a correr na minha direcção. A Vera e o Tomás ficaram ainda mais nervosos ao ver-me e desta vez percebi o que o Tomás dizia:
- Vê lá o que a miúda quer e livra-te dela…

Senti um arrepio na espinha e fiquei parada, sem me mexer, à espera da Vera que vinha na minha direcção.
- Olá Carlota. Queres que eu diga ao Ricardo para ir ter contigo?
- Sim, ele está? – tentei fingir o ar inocente de quem não percebeu que tinha chegado em má hora. Olhei para a janela onde o Ricardo ainda se encontrava.
A Vera seguiu o meu olhar e, ao ver o filho a acenar-me, percebeu que já não tinha desculpa para me afastar. Olhou de relance para o Tomás, encolheu os ombros e começou a encaminhar-me para junto do filho. Quando estávamos a passar a entrada, o misterioso visitante fez questão de me vir cumprimentar:
- Mas ninguém me apresenta esta menina encantadora? Eu sou o Simão, um amigo cá da casa.
Num impulso, a Vera abraçou-me, como se me quisesse proteger.
- Prazer, eu sou a Carlota – e estendi-lhe a mão para o cumprimentar com cerimónia.
Ele achou piada e correspondeu. A sua mão suada tinha um toque desagradável. O Tomás tinha-se virado de costas para nós e parecia pronto para rebentar a qualquer momento.
- O prazer é todo meu senhorita, pode ter a certeza que fiquei encantado. Tão encantado que sou capaz de, como por magia, encontrar qualquer coisa…. – e sacou dois chupa-chupas do bolso – Cá está! Um para si e outro para o… - olhou para a Vera enquanto se tentava lembrar do nome..
- Ricardo – anunciou o computador do próprio, da porta de entrada da casa.
- Muito obrigada! - Disse a Vera num tom ríspido e apressou-nos para entrarmos – Deixem-se ficar aqui sossegados que nós temos um assunto urgente para resolver lá fora.

Eu e o Ricardo, olhámos um para o outro e fomos a correr para junto da janela do quarto dele. Tentámos ouvir o resto da conversa mas, infelizmente, os três adultos já se tinham afastado.

- Chegaste mesmo em má hora! – Escreveu o Ricardo.
- Eu percebi mas não adivinhava…Quem é o Simão?
- É alguém que teve qualquer coisa a ver com a recuperação desta casa. Tenho a certeza que ele conhece o terrível segredo e é por isso que os meus pais não gostaram de o ver.
- Conta-me o que ouviste…
- Ouvi o meu pai a correr com ele daqui, a gritar que não o queria próximo de nós e ele sempre a dizer que o melhor era ser bem tratado, que o meu pai só tinha interesse em confiar nele. O meu pai passou-se com ele e contigo…
- Bolas, apanhei um susto! Mas o Simão até pareceu simpático…
- É mas, pelo sim pelo não, é melhor pormos estes chupas no lixo.
- É verdade. Bem pensado usar o Jeremias para passar mensagens, vou fazer o mesmo sempre que precisar. E quais são as novidades de ontem?
O Ricardo sorriu-me, levantou-se e debaixo do colchão retirou duas fotografias que tinham sido rasgadas em mil pedaços e recuperadas com fita-cola. Colocou-mas na mão e voltou ao computador.
- A minha mãe esteve o dia todo a fazer limpezas e eu vi-a rasgá-las e pô-las no lixo.

Eram imagens do terreno no início da construção da casa.
- Estão ambas marcadas com um círculo no mesmo lugar, consegues ver? Acho que pode ser um tesouro.
Ao ouvir falar em tesouro todo o meu corpo reagiu. Saltaram-me os olhos das órbitas e senti uma excitação enorme que me fez estremecer. Olhei para o Ricardo com a boca a abrir e a fechar sem que me saísse nenhuma palavra e pressenti que ele sentia exactamente a mesma coisa que eu. Por momentos ficámos assim, a olhar um para o outro com um brilho nos olhos e um sorriso nos lábios – Qual é a criança que não sonha encontrar um tesouro?

Eu fui a primeira a recuperar a fala.
- E tu sabes onde é que fica o lugar indicado por este círculo? – apontei para a imagem.
- É difícil. Está algures por baixo da casa mas não se consegue perceber onde. A localização exacta deve estar nas plantas que o meu pai guardou.
- O que é que podemos fazer para descobrir?
- Não sei, tenho que pensar melhor neste assunto. E descobriste alguma coisa sobre o telefone?
- Não! Ontem acabámos por não sair. Chegaram uns amigos nossos. – Contei-lhe da alteração de planos e do novo segredo que tinha para descobrir. O Ricardo estava a fazer-me prometer que descobríamos primeiro o tesouro e só depois investigaríamos o outro mistério quando, não podia ser mais a propósito, pela janela vi o Mário a cirandar por ali. Puxei o Ricardo e fomos ao seu encontro. Vimos que o carro do Simão já tinha desaparecido e a Vera e o Tomás conversavam junto a uma árvore.
- Mário – acenei – o que é que fazes por aqui?
- Vim buscar-te para almoçar e, em nome da família, convidar os vizinhos para jantarem hoje connosco. Tu deves ser o Ricardo – disse no seu tom pouco à vontade. O Ricardo confirmou com a cabeça e cumprimentaram-se - Os teus pais estão?

Chamámos a Vera e o Tomás e apresentámo-los ao Mário. Os vizinhos agradeceram imenso o convite mas disseram que agora era a vez deles. Faziam questão de oferecer-nos uma churrascada em casa deles. O Mário ainda argumentou que do nosso lado éramos mais e que isso não era justo mas, acabou por aceder com a condição de que traríamos as bebidas e a sobremesa.
- Se é essa a condição, não temos outro remédio – acedeu a Vera – Quanto a nós vamos hoje fazer uma visitinha ao talho da vila que costuma ter uma carne maravilhosa!!!
Imediatamente dei uma cotovelada no Ricardo e perguntei – A que horas é que vão à vila? Posso ir com o Ricardo?
- Claro que sim! – Sorriu a Vera – Vem ter connosco a seguir ao almoço que nós esperamos por ti.
Eu e o Ricardo sorrimo-nos de orelha a orelha e lemos os pensamentos um do outro. – Então, até logo…
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