passarola quer voar: 26. O fim das férias, parte I

sábado, julho 12

26. O fim das férias, parte I

Este já é o último, mas é tão grande e tão bom que vou dividi-lo em três. Percam um bocado de tempo a lê-lo por que vão ver que vão gostar. ;)

Os dias que se seguiram foram seguramente mais calmos. A Isabel continuava em volta da pintura sem a dar por terminada e, quanto aos outros, iam aproveitando a piscina, os passeios ao ar livre e as noites estreladas. A Vera, o Tomás e o Ricardo andavam sempre com eles. Ora estavam em casa de uns, ora em casa de outros.

As escavações da polícia tinham sido adiadas para o Outono, a pedido da Vera e do Tomás, não só para eles poderem aproveitar o resto das férias sem confusões de obras, como também porque nessa altura não havia por ali muita gente e toda a operação seria mais discreta.

O Jeremias também continuou a aparecer e, entre as brincadeiras com as crianças e o Gaudi, lá ia espreitando o desenvolvimento do quadro da Isabel. Todos estranhavam o tempo que ela estava a levar para terminar o seu trabalho e ninguém conseguia ver diferenças de uns dias para os outros. Para eles a obra estava completa mas parecia que a sua criadora não queria abdicar dela. Sentava-se horas a fio a olhar para a tela sem acrescentar nada. Depois, num impulso dava uma pincelada no ar e ficava mais horas sem fim a admirá-la. Sentia que lhe faltava qualquer coisa mas, ao contrário do que pensara no dia em que a tela tinha desaparecido, não sabia o quê. Todas as suas intervenções a deixavam frustrada. A Carlota e o Ricardo também iam espreitando na esperança de que, sem saber, a Isabel transformasse a cena da entrada dos lagartos numa mancha irreconhecível, mas isso não acontecia. O quadro permanecia tão revelador como no dia em que todos os lagartos se tinham deslocado para o ver.

À medida que o fim das férias se aproximava, o humor da Isabel ia piorando. Nem a Carlota, nem o Jorge e muito menos os amigos, se lembravam de a ver assim.
- Deve estar a tentar imitar-me – brincava o Jorge que sempre tivera um génio difícil.
- Se calhar devíamos afastá-la da pintura por um dia – recomendava o Henrique.
- Isto não lhe pode estar a fazer nada bem – concordava a Vera.
- Aquilo não anda, nem desanda. – observava o Mário.
- E depois de amanhã vamo-nos embora – lamentava-se o Jorge.

Estavam todos a olhar para a Isabel, tristes com este pensamento de fim de férias, quando o Henrique teve a melhor de todas as ideias:
- E se fossemos amanhã passar o dia à praia?
- Boa!! Boa!! Vamos!!! Isso!! – A Carlota e o Ricardo saltaram de alegria.
- Levamos comida, bebida, chapéus de sol e passamos lá o dia inteiro – programou a Vera.
- E é uma bela maneira de nos despedirmos das férias – concluía o Henrique sempre pronto a comemorações e festas.

Apesar dos receios de todos, a Isabel, satisfeita por se conseguir libertar um bocado do seu trabalho inacabado, concordou logo e todos se empenharam nos preparativos. Enquanto os adultos se preocupavam com os alimentos, a Carlota e o Ricardo adicionavam bolas, raquetes, colchões, bóias e todos os apetrechos essenciais para um dia em pleno.

Foi assim, que na penúltima manhã daquelas férias, partiram todos em direcção ao mar com os carros cheios para um dia bem recheado. A praia era lindíssima e, dada a dificuldade de acesso, não tinha muita gente. A alguma distância uns dos outros estava uma meia dúzia de jovens e, à beira mar, um velho pescador. O areal era muito extenso e terminava numa zona rochosa com a forma de uma pequena gruta que aguçou logo a curiosidade dos mais pequenos. Mas primeiro era preciso dar um mergulho no mar e, a pressa era tanta, que o Ricardo quase que se esquecia de tirar o computador que trazia pendurado ao pescoço.

Ao primeiro mergulho seguiu-se o segundo e ao segundo o terceiro. A água estava tão boa que só conseguiram sair quando repararam na enorme quantidade de lagartos que se deslocava à entrada da gruta. O primeiro a vê-los foi o Ricardo que ficou de tal maneira com os olhos fixos naquela zona que a Carlota, instintivamente, seguiu o seu olhar.
- Olha!! – exclamou, olhando para o Ricardo. – O que é que eles andarão aqui a fazer? – E largaram os dois a correr naquela direcção. Ao aproximarem-se da gruta começaram a ouvir uma cantilena numa voz esganiçada, baixinho:

Num belo dia
um pescador
fez-se ao mar
sempre a remar…

Lá dentro estava uma velha, mesmo muito velhinha, sentada num pequeno banco de madeira a escamar um grande peixe cinzento. Os cabelos completamente brancos contrastavam com as suas vestes negras. Aos pés tinha um alguidar vermelho para onde iam caindo as pequenas escamas de um transparente azulado. Em seu redor, os pequenos lagartos escutavam a sua música.

Veio uma onda,
E o seu barquinho
Sem vacilar
Sempre a remar

- Olhem, temos companhia – disse a velhinha para os lagartos, ao ver as crianças.

Os seus olhos, tão claros que pareciam brancos, assustaram os dois amigos. Ela pressentiu e riu-se.
- Não tenham medo de mim que não vos faço mal. Eh! Eh! Venham, venham cá…meus queridos…
A Carlota e o Ricardo aproximaram-se receosos.
- Nunca vos vi por aqui. Mas tenho a impressão que estes meus amigos vos conhecem bem – e apontou para os lagartos.
- O meu nome é Carlota e este é o Ricardo. Viemos passar o dia à praia.
- E fizeram muito bem, pois hoje, esta praia vai receber o vento da revelação. Todas as dúvidas ficarão diluídas no ar.
A Carlota e o Ricardo olharam para ela surpreendidos.
- Agora vão e digam ao meu pescador que o peixe para o almoço está quase pronto.

As crianças, assustadas, acenaram com a cabeça e foram a correr, em busca do pescador que tinham visto à chegada. Quando o encontraram transmitiram-lhe o recado.
- A minha mulher? Aqui a preparar-me o almoço? Devem estar enganados – Dizia o pescador com um ar muito surpreendido – Pois se a deixei eu em casa dos nosso filhos…
- Mas não está aqui mais ninguém a pescar…
- Será possível? – indagou o homem que não era, nem por sombras, tão velho com aquela velhinha. – Mostrem-me lá isso.
...

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