passarola quer voar: Terror no Lar de 3ª idade - o fim

sexta-feira, agosto 21

Terror no Lar de 3ª idade - o fim

Preso a uma cadeira numa sala de convívio de um lar de terceira idade de senhoras, ele olhava em redor, horrorizado. As lâmpadas vermelhas distribuídas pelo chão transformavam a sala de entretenimento diário de idosas num cenário infernal. E as criaturas que se aproximavam com ar maléfico e ameaçador, não eram as santas freiras e enfermeiras que tomavam conta da casa, eram as próprias velhas que durante o dia não faziam mais que levantar os olhos para o ecrã de televisão e inventar argumentos para se queixar da vida. Os olhos transformados por pinturas de guerra que via eram os da avó e de mais um bando de idosas com sorrisos maléficos. Aproximavam-se perigosamente pela frente, pelos lados e por trás. Sentiu os pêlos a arrepiarem-lhe o corpo preso a uma cadeira no centro da roda.

«Morri no roupeiro e vim parar ao inferno», pensou, enquanto tentava perceber o que iam fazer com ele, adivinhando pelos metais que lhe prendiam pés e mãos que não seria nada de bom. Procurou os olhos da avó para pedir ajuda mas não a reconheceu. De olhar alucinado, levantava a bengala no ar, lançando um grito de guerra que todas as outras velhas seguiram, começando a dançar e a cantar cânticos estranhos em volta dele. Um cerimonial bizarro que ele não queria imaginar como podia acabar.
«Arghhhhhh!» Em pânico tentou soltar-se da cadeira, agitou-se, contorceu-se com todas as suas forças sem conseguir libertar-se. As velhas pareciam loucas de bengalas e andarilhos no ar a saltar e a uivar em volta dele. «Vão-me comer, sugar a juventude», imaginou, vendo à frente dos olhos um filme sangrento onde era rasgado por dentaduras falsas que à medida que lhe retiravam o sangue iam rejuvenescendo as peles e corpos das velhas que as ostentavam.
«Socorro», tentou gritar, mas o adesivo na boca somente deixava passar uns sons de agonia a um volume demasiado baixo para que alguém não possuído pelo demónio o pudesse ouvir e resgatar. Dentro da cabeça já ouvia tambores de guerra a acompanhar as danças tribais do bando de velhas endemoninhadas que o cercavam. Sentiu o suor a cair-lhe da testa e as lágrimas a chegarem-lhe aos olhos.
«Não! Por favor, não!», pediu a alguma força superior que o tirasse dali, que o agitasse de dentro do roupeiro onde de certeza tinha adormecido. Aquilo não podia estar a acontecer. Aquilo não era real. Agitou a cabeça, exigiu a si próprio que acordasse daquele pesadelo infernal, mas continuava acordado, de suor na testa e lágrimas nos olhos, preso a uma cadeira e rodeado de velhas que sabe-se lá o que é que iam fazer com ele.
Para desespero dele a roda começou a fechar, a fechar e as lágrimas da angústia que estava a sentir já eram tantas que lhe embaciavam a visão.
«Não me façam mal, não me façam mal, não me façam mal», era a única coisa em que conseguia pensar. Fechou os olhos, não conseguia ver mais, não queria assistir à sua morte de olhos abertos. De olhos bem fechados começou a sentir o bafo das dentaduras das velhas a abrirem-se para lhe roubar a carne do corpo.
«É agora», pensou, sem esperanças de voltar a ver o sol.

Pensou que o melhor era desistir, deixar-se matar, mas de repente, um impulso de sobrevivência fê-lo abrir os olhos novamente e começar a lutar com o corpo contra a cadeira com uma força que não sabia que tinha. As velhas continuavam a sua dança, mesmo em cima dele, parecendo nem reparar que se tentava soltar. Sentiu uma dor aguda, um rasgão num pulso.
«Auuuuuuuu», uivou de dor sem que ninguém o ouvisse e pensou que tinha sido uma mordidela de uma delas. Continuou a lutar, mas mais uma vez, «auuuuuuuuuu», outro rasgo de dor, agora num tornozelo. Num instante de lucidez percebeu que não eram as velhas a mordê-lo era a pele a rasgar no metal que lhe prendia os membros.
«Nunca vou ser capaz de sair daqui», agonizou, voltando a desistir de lutar e nesse momento um grito estridente fez parar o ritual demoníaco das velhas do lar de terceira idade.

– Aiiiiiii!

Procurou com os olhos a criatura que tinha lançado o grito e que recolhia agora a atenção da tribo. «Estou salvo?», quis acreditar. Por trás dos cabelos despenteados das mulheres estava uma delas, talvez mais velha que todas as outras, ou talvez não. Acariciava o pé com uma expressão de sofrimento.
– Ela pisou-me com o andarilho… – acusou, apontando na direcção de outra. – Esta brincadeira já não tem piada.
– Podemos brincar a outra coisa, se já estás farta dos índios… – ouviu a avó dizer.
– Eu estava a gostar – ouviu outra das velhas reclamar, amuada.
– Mas eu é que trouxe o brinquedo, quem manda sou eu! – percebeu, estupefacto que não passava de um brinquedo na mão de velhas dementes e a culpa era da avó.
– Se brincássemos às cabeleireiras… podíamos fazer-lhe penteados – sugeriu uma das velhas mais pequeninas e magrinhas do bando.

«Isso! Brinquem com o meu cabelo», pensava ele, continuando a chorar, mas agora de alivio ao saber que aquilo não passava tudo de uma grande brincadeira.

– Olha lá, não tens ainda os brinquedos que tiraste ao teu neto? – ouviu a avó perguntar a uma das velhas mais corpulenta.
– Boa! Boa! Vou buscar…

A velha corpulenta saiu da sala e as outras aproximaram-se dele excitadas. Retiraram-lhe o adesivo da boca e ele, aliviado, ofereceu:
– Eu brinco. Eu brinco com vocês ao que quiserem, mas soltem-me desta cadeira. Por favor! – e procurou mais uma vez os olhos da avó.
– Não é lindo o meu neto? – perguntou a avó às outras e ele viu-as todas sorrir enternecidas, a olhar para ele. Sentiu vontade de lhes dar beijinhos a todas com a alegria de não ter morrido.
«Estou safo! Já as conquistei» pensou, ainda sem conhecer a brincadeira que se seguia.
– Já me podes soltar, avó? – perguntou, enquanto a velha corpulenta se aproximava com um saco na mão.
– Não querido, não te podes mexer que pode ser perigoso.
– E qual é a brincadeira? – perguntou outra velha.
– Aos dentistas – explicou a velha corpulenta.
– Pois… nós nunca brincámos a isto antes e se te mexes, ainda te brocamos um olho em vez do dente… – explicou a avó ao neto que voltava a sentir a angústia a subir-lhe pelo corpo.

– NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOOOOOOO!

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