passarola quer voar: As beringelas assassinas

quarta-feira, setembro 30

As beringelas assassinas

Não pode ser. As beringelas não têm dentes! No mínimo, uns dentes de alho esmigalhados para temperar o cozinhado, agora o vegetal beringela cru não tem boca, quanto mais dentes! Vou repensar com calma o que aconteceu. Eu ia apanhá-las e pensei que estavam bonitas demais para desaparecerem da minha paisagem. Estava orgulhosa das gigantescas beringelas roxas que ali cresceram a contrastar com o verde muito verde da planta. Não era de ânimo leve que as apanhava. Mas, ou isso, ou ia vê-las a apodrecer sem as experimentar no prato. Decidi-me e preparei-me para as apanhar. Assim que me aproximei, reparei em qualquer coisa estranha por trás da planta. Recuei quando percebi que era sangue e enojei-me quando identifiquei os restos de uma galinha morta. Ainda me arrepio com essa imagem. Ainda por cima aqui sozinha, sem ninguém a quem pedir ajuda em quilómetros de terreno. Ganhei coragem, calcei umas luvas e aproximei-me muito contorcida e arrepiada para tirar dali os restos do animal. Que nojo! Não sei como é que fui capaz. O cheiro nauseabundo a carne podre era tão intenso que não consegui evitar virar a cara para o outro lado enquanto apalpava o terreno com as mãos. E foi aí. No preciso momento em que eu não estava a olhar que senti um abocanhar forte no pulso, larguei os ossos que já tinha na mão e vi a luva cor de rosa a ficar vermelha de sangue. Retirei-a com dor e descobri que me faltava no pulso o equivalente ao pedaço de látex que faltava na luva. Corri para o interior de casa com o sangue a escorrer-me pelo braço e uma dor a agonizar-me no cérebro. Procurei desesperada a mala de primeiros socorros na casa de banho e, quando comecei finalmente a desinfectar a enorme ferida que latejava no braço, já tinha uma poça de sangue no chão de azulejo. Horrorizada com a visão de um buraco no pulso do meu braço direito e com a fraqueza de todo o sangue que me tinha visto perder, senti-me a perder os sentidos. Sentei-me no tampo da sanita para evitar uma queda ainda mais grave. Devagarinho, envolvi o pulso numa ligadura branca e fiquei ali um bocado a recuperar. Mais tarde voltei a aproximar-me da planta das beringelas gigantes à espera de encontrar uma grande ratazana ou qualquer sinal de um animal com dentes que me pudesse ter atacado, mas não. Nem animal, nem vestígios de terra mexida por baixo da planta. Ainda estremeci com a visão do fantasma da galinha a morder-me o pulso para se vingar da sua morte mas é claro que as galinhas, assim como as beringelas, não têm dentes em vida, muito menos depois de mortas.
Deixei para o dia seguinte a limpeza dos restos da galinha e foi aí que vi pela primeira vez a mancha branca de dentes numa das beringelas roxas…

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