passarola quer voar: As beringelas assassinas… O outro lado…

quarta-feira, outubro 7

As beringelas assassinas… O outro lado…

As beringelas suspiraram de alívio ao ver a mulher a afastar-se. Tinham visto a morte mesmo à frente do caule. Conseguiram ainda pressentir a presença dela a espreitá-las do interior da casa branca até à hora em que todas as luzes se apagaram.
Mas mesmo depois disso, os sustos não passaram. Qualquer som, qualquer movimento do vento, qualquer animal a passar, eram o suficiente para acordar a maior beringela do pesadelo que estava a ter. Pesadelos com mãos que matavam beringelas, uma a seguir à outra, famílias inteiras de beringelas chacinadas. A noite custou a passar e nenhuma delas conseguiu dormir. A visão daquele braço com uma extremidade cheia de pequenos dedos assassinos a apalpar-lhes o terreno tinha-as deixado a todas aterrorizadas. Tinham sido salvas pela impulsividade de uma das beringelas mais novas, mas tinham ficado tão assustadas que nada garantia que se conseguiam salvar segunda vez. A humana era gigante e as mãos eram armas com que já a tinham visto destruir outros vegetais.
O sol nasceu e as beringelas esperaram ansiosamente nos ramos pelo seu destino. Assim que a grande porta da casa branca se abriu para deixar sair a mesma mulher da tarde anterior, todas elas se começaram a agitar na planta. A ordem era que se mantivessem passivas até perceber as verdadeiras intenções da humana. Viram-na a avançar e assim que se baixou ao pé delas, uma das beringelas maiores moveu-se para esconder uma das mais pequeninas. Foi um gesto louco, podiam ter sido denunciadas logo aí, mas felizmente a humana pareceu não reparar. Aproximou as mãos e afastou um ramo onde estavam algumas delas penduradas. Uma lançou um pequeno gemido de medo e todas elas contiveram a respiração e aguentaram o ar no interior, como um simples vegetal sem vida. Controlaram-se em tensão sem gritar quando uma das mãos da humana introduziu no meio da planta um material plástico e barulhento com que envolveu o que restava da galinha. Viram-na a levantar-se com o recipiente plástico na mão e esperaram até que se afastasse para respirarem de alivio. Mas era cedo demais. Ainda mal tinham começado a recuperar do susto quando a viram voltar, agora com um olhar assassino. Era agora. Ou a conseguiam travar à dentada ou o destino delas era a panela. Como é que, tão pequeninas poderiam dar conta de um animal tão grande? A galinha tinha sido fácil, estava presa no meio da planta, uma dentada de cada uma em cada extremidade do bicho, tinha sido suficiente mas com esta gigante… era impossível rodearem-na de dentadas até cair.
Ela estava de volta e, cada vez mais perto, viram as mãos assassinas a aproximar-se ameaçadoramente de uma beringela. As outras tentaram fazer alguma coisa mas estavam presas nos ramos e não se conseguiam soltar. Aiiiiiiiiiiiiiii. A primeira beringela gritou ao sentir-se arrancada da vida. As mãos iam a caminho da segunda, mas, para surpresa de todas as outras, a primeira ainda não estava morta, estava a mexer-se. O que é que ia fazer? Estava a abrir a boca, estava a preparar-se para abocanhar a… Nããão!
Foi tarde demais, a segunda beringela também já tinha sido arrancada e atirada para cima da primeira no preciso momento em que se preparava para se vingar. E ainda pasmada, a primeira beringela viu a terceira a ser arrancada, e a quarta, e a quinta e tinham de ser rápidas a fazer alguma coisa. Mas estranhamente continuavam vivas mesmo fora da planta. Num aviso silencioso a maior beringela disse que esperassem até estarem todas juntas para se vingarem. De nada valia ficarem umas fora e outras presas no ramo. A primeira beringela acedeu, acalmou-se e aguardou até estarem todas as beringelas amontoadas numa cesta onde foram transportadas até ao interior da casa. No caminho prepararam o seu plano e mais tarde nessa noite comemoraram a sua vitória.

Nada mal. Agora podiam rebolar de um lado para o outro sem estarem presas pelo caule, tinham uma casa enorme para viver e uma bela humana, que tinham conseguido eliminar à dentada, para o jantar. A luta tinha sido feia e durado uma eternidade mas, apesar da baixa de duas beringelas da família que a humana tinha esfaqueado até à morte, os corajosos vegetais roxos tinham conseguido ganhar.
A felicidade durou até ao momento em que a humana foi servida à mesa e onde se começaram a ouvir os primeiros gritos de agonia:

– Salsa! Aqueles pozinhos verdes eram salsa! Nós somos carnívoras… e acabámos de comer um familiar!

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