passarola quer voar: 21. A investigação continua.

sexta-feira, maio 30

21. A investigação continua.

e cá vai mais um...

A Carlota acordou, espreguiçou-se e ficou deitada na cama, abraçada à almofada, a pensar em tudo o que lhe tinha acontecido. Ainda se sentia cansada de tanta aventura e emoção e deu mais duas voltas no colchão. Mas de repente pensou – E se eu sonhei? E se o Jeremias nunca falou comigo e nunca existiram Lagartos Sábios? – Sentou-se muito direita na cama e, a medo procurou a sua sandália no chão. Não estava lá nada. A Carlota não queria acreditar que nada daquilo tinha acontecido. A sensação era tão real que ainda lhe doía o corpo da queda. – Não é possível! – disse alto, assustando um pequeno lagarto que se tinha vindo enroscar nos seus lençóis durante a noite.

Ao vê-lo muito espantado a olhar para ela a Carlota sorriu – Ah! Eu sabia que era verdade. Tu tinhas que estar algures por aqui. E agora o que é que eu vou fazer contigo? – Perguntava alto enquanto se levantava com vontade de começar o dia. – Não saias daí que eu vou tomar um duche e depois logo vemos o que fazemos, OK?

A água quente do duche a cair sobre o corpo estava a saber-lhe tão bem, que a Carlota deixou-se ficar mais um bocadinho. Quando regressou ao quarto encontrou o Velho Sábio a conferenciar com o Jeremias.
- Bom dia – disse-lhe ainda na expectativa de o ouvir responder. O Lagarto sorridente acenou com a cabeça deixando a Carlota um bocadinho triste. Mas foi por pouco tempo. Num movimento rápido, atraiu-a até à janela de onde já se avistava o Ricardo a aproximar-se com o pequeno computador ao peito.
- Isso significa que lhe posso contar?
O Jeremias acenou afirmativamente e dirigiu-se ao lagarto do dedal que se escondeu ainda mais, por debaixo dos lençóis.
- Fixe! - Exclamou a Carlota enquanto abria a janela para acenar ao amigo. Estava já lançada para saltar para o outro lado quando viu que o Jeremias perseguia o Lagarto Sábio por dentro da sua cama. Aproximou-se e levantou os lençóis para os ver aos dois.
- Queres levá-lo de volta, é? Ele veio comigo sem que eu desse por isso – A Carlota sentou-se na cama e o velho lagarto rastejou para perto dela. – Tens a certeza que ele não pode ficar?
O Jeremias disse que não com a cabeça e aproximou-se dos dois. A Carlota tirou o dedal do velho lagarto e, enquanto lhe fazia festinhas no focinho, explicou:
- Se querem que voltes é porque precisam de ti lá em baixo…E depois, daqui a poucos dias vou ter de voltar para a cidade e aí o que é que tu vais fazer? Os meus pais não te vão deixar vir comigo…
O Lagarto, triste, baixou o focinho por uns momentos, abanou a cabeça e, contrariado, voltou a erguê-la na direcção do dedal, tentando recuperar o seu chapéu.
- É melhor assim…- disse a Carlota, devolvendo o adereço ao bicho.
- Olá Carlota,! Olá Jeremias! – disse a voz electrónica do Ricardo do lado de fora da janela – Posso entrar?
- Sim! Tenho tanta coisa para te contar…- respondeu-lhe enquanto se levantava para o abraçar. – Olha este é o Velho Lagarto Sábio do ténis bota vermelho – explicou a Carlota deixando o Ricardo muito confuso. – Mas já está de partida para a sua casa…
- Velho Lagarto Sábio? Ténis bota? Acho que estás a ficar cada vez pior… – brincou o Ricardo, bem disposto.
- Anda, vamos acompanhá-los à porta dos Lagartos mas tens de prometer, a mim e ao Jeremias, que não contas nada disto a ninguém. É mesmo importante…

O Ricardo, cada vez mais curioso, acompanhou os amigos enquanto a Carlota tentava, atabalhoadamente, contar o que lhe tinha acontecido, misturando umas informações com as outras de tanta vontade que tinha de dizer tudo ao mesmo tempo.

Ao chegarem à entrada de pedra, o Ricardo ficou boquiaberto. Viu o Jeremias aproximar-se e enfiar a cabeça no leitor de escamas que accionou a abertura da porta. O Velho Sábio, amuado, entrou sem olhar para trás. O Jeremias despediu-se dos dois amigos e seguiu-o deixando a porta fechar-se atrás dele.

A Carlota e o Ricardo sentaram-se por baixo de uma árvore onde ela fez um esforço para contar em pormenor todas as suas aventuras, não querendo deixar nada de fora.
- …e foi então que os Velhos Lagartos Sábios me revelaram o que é o tesouro escondido em baixo da casa dos teus pais..
- É petróleo – adiantou-se o Ricardo deixando a Carlota pasmada.
- Tu sabias?
- Ouvi os meus pais falarem nisso ontem à noite, quando achavam que eu já estava a dormir.
- E o que é que eles disseram?
- Eu já te digo mas primeiro acaba a tua história. – pediu o Ricardo, impaciente.
- Os lagartos acham que os teus pais são pessoas muito sensatas. Dizem que o petróleo pode trazer desgraças, ou uma coisa assim que eu não percebi muito bem.
- Sim, pelo que ouvi os meus pais também não estão assim tão certos que esta descoberta é boa, principalmente por causa do Simão, que não os larga.
- Eles também se queixaram do Simão. Sabes que tem andado por aí a escavar por todo o lado?
- Deve andar à procura de mais tesouros… - comentou o Ricardo, irónico.
- Só que as escavações dele estão a pôr o mundo dos lagartos em perigo e eles acham que o melhor, para o fazer parar, é convencer os teus pais a voltarem a furar no mesmo sítio para descobrirem que já não há lá petróleo…
- E já não há ?
- Não, porque eles já o mudaram de lugar. O que os teus pais encontraram pertence a uma reserva que os lagartos usavam para preparar combustível para os tais carros de que te falei.

O Ricardo ficou a olhar para a Carlota com uma expressão triste:
- Lá se foi o nosso tesouro…agora que eu finalmente tinha descoberto o que era…
- Agora temos que nos concentrar numa forma de convencer os teus pais a voltarem a escavar.. Foi isso que os Lagartos Sábios me pediram para fazer.
- Pois é, mas os meus pais decidiram ontem que não querem saber mais, nem mesmo ouvir falar, naquele poço de petróleo. Não sei o que é que lhes podemos dizer, sem contar a história toda dos lagartos.
- É difícil… Ainda ontem tive imensa vontade de contar à minha mãe, por causa do quadro dela. Ela ainda tem esperanças de reencontrá-lo…
- Deixa lá que também ninguém ia acreditar. Até eu. Se não me tivesses trazido aqui, ia estar a pensar que tinhas batido com a cabeça com força demais… - Escreveu o Ricardo a rir-se.
- É… - e ficaram os dois pensativos a olhar para a pedra.

- E o que é que fará no meio disto tudo o Homem sem rosto? Achas que ele também sabe do petróleo? – Perguntou o Ricardo.
- Deve saber. Ele e o Mário devem ter qualquer coisa a ver com o Simão.
- É verdade, quase que me esquecia de te dizer. Ontem a polícia voltou lá a casa só para fazer perguntas sobre o Simão. Parece que é procurado por uma data de falcatruas que tem feito com as casas e os terrenos que vende. Ouvi os meus pais dizerem que o que era bom é que ele fosse preso por uns tempos para deixar de incomodá-los.
- Isso também era bom para os lagartos – concluiu a Carlota depois de pensar um bocadinho. E voltaram a ficar os dois em silêncio.

- Tenho fome!
- Também eu, já deve estar na hora do almoço. Achas que os teus pais te deixam vir almoçar a minha casa? – perguntou a Carlota com vontade de continuar na companhia do amigo.
- Acho que sim, vamos até lá que a minha mãe também vai gostar de te ver.
- Ontem não estava à espera de encontrar o teu pai à minha procura.
- Ofereceu-se logo para ir com o Gaudi ajudar a procurar-te. – escreveu o Ricardo, enquanto andavam na direcção de sua casa, o que fez com que quase fosse esbarrando contra uma árvore, distraído. – Eu também queria ir com eles, mas a minha mãe não me deixou – justificou-se.
...