passarola quer voar: 3. O Jantar com os novos vizinhos e o reencontro com um grande amigo

sexta-feira, janeiro 11

3. O Jantar com os novos vizinhos e o reencontro com um grande amigo

(e aqui vem o episódio da semana de "A miúda dos lagartos")

O mais surpreendente do jantar na piscina foi mesmo o Ricardo. Claro que eu já estava doidinha para o conhecer e devo ter conseguido imaginá-lo de 365 mil combinações diferentes, chegando a conjugar partes humanas com partes de animais. Por que se esconderia ele de mim? A minha cabeça de pequena detective não parava de trabalhar.

Finalmente chegaram e posso dizer que o Ricardo não correspondia a nenhuma das 365 mil formas que eu tinha imaginado. Era aparentemente um rapaz normal, com mais dois ou três anos que eu, branquinho, com muitas sardas na cara e trazia, pendurado ao pescoço, um computador de bolso que nunca largava.

Tinha efectivamente uma particularidade que eu nunca poderia imaginar. Por causa de um problema nas cordas vocais o Ricardo não era capaz de falar, o que compensava com uma voz electrónica de um programa que lhe tinham instalado no seu pequeno computador. De resto, era perfeitamente normal e tão idiota como todos os rapazes da sua idade.

Acompanhou toda a refeição com uma boa dose de jogos electrónicos, não me ligou nenhuma e só sorriu quando chegou à mesa o enorme bolo de chocolate que a Vera tinha trazido. Huummm!! Estava mesmo bom!

Já tínhamos rapado o prato do bolo e eu estava ajudar a levantar a loiça da mesa quando de repente vi passar uma mancha verde que me era muito familiar. Entusiasmada, segui-a dentro de casa até à zona da lareira com um pressentimento. Aí ficou à minha espera, com o seu sorriso habitual a olhar para mim.

- Jeremias! – exclamei – Há tanto tempo!! Como é que tu estás? Eu sabia que te havia de encontrar... bem, na realidade foste tu que vieste ter comigo, mas eu sabia que nos íamos encontrar – continuei entusiasmada enquanto lhe afagava o focinho.

O Jeremias ia-me respondendo com pequenos movimentos da cabeça e da cauda e eu aproveitei para pôr a conversa em dia.

- Sabes, já tinha ido à tua procura ao monte, mas no lugar do teu tronco velho está a casa da Vera e do Tomás, que são estes senhores que estão cá a jantar.

O Jeremias com um movimento rápido atravessou a janela para o lado de fora – Já te vais embora? – espreitei pelo vidro e vi-o na parede a olhar para mim – “vem” – dizia-me a sua expressão.

Dirigi-me à porta e passei pela cozinha onde os malucos dos meus pais estavam a dançar, enquanto esperavam que a máquina acabasse de servir os cafés. Saí e contornei a casa até à parede onde o meu lagarto me esperava. De onde estava podia ver a Vera e o Tomás sem ser vista e, sem querer, ouvi um bocado da conversa deles:

- Esquece isso agora – dizia a Vera baixinho enquanto abraçava o seu marido.
- Como é que eu posso? Não falar nisso é uma tortura mas se falar, pode ser terrível – respondia-lhe o Tomás – não sei o que deva fazer com este segredo...
- E saem os melhores cafés expresso da galáxia – interrompeu o meu pai vindo de casa com os cafés na mão.
- Hummmm, é verdade, este cafézinho expresso não se encontra em qualquer planeta – disfarçou a Vera enquanto se afastava do Tomás.

- Era isto que querias que eu ouvisse? – perguntei ao Jeremias. Ele acenou-me afirmativamente com a cabeça e desapareceu em direcção ao telhado, tão depressa como havia aparecido. Ao seguir o meu lagarto, os meus olhos cruzaram-se com os do Ricardo que estava pouco atrás de nós.

- Estavas a espiar-me? O que é que viste? – perguntei assustada.

Enquanto o Ricardo escrevia na sua máquina, uma voz electrónica esclarecia – És a primeira rapariga que conheço que brinca com Lagartos. Talvez não sejas assim tão má!
- Sorriu-me, passou por mim e continuou o seu caminho até junto dos nossos pais. Sentou-se de olhos postos no monitor e não voltou a dizer palavra.

Que estranho – pensei – queres dizer que podemos ser amigos? – perguntei-me sem que ele me pudesse ouvir e, logo a seguir, pensei que do sítio onde ele estava não poderia saber o que é que eu vi ou ouvi os seus pais dizer. Mais descansada juntei-me ao grupo que fantasiava agora com viagens inter-galácticas.

Pouco depois os novos vizinhos despediram-se, deixando os meus pais sentados à beira da piscina a contar estrelas e a minha cabeça a andar às voltas com tudo o que tinha acontecido.

- A Vera e o Tomás escondem um segredo. E o Ricardo? Qual será o seu papel no meio disto tudo? E o que é que o Jeremias sabe? Que confusão!! Não consigo perceber nada!! - pensei antes de adormecer – Ainda!!! – e adormeci.
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